terça-feira, 28 de abril de 2009

Imaginei seu rosto em um dia de desespero. Saudade consumia-me em fragmentadas dores de um passado recente. Seu perfume ainda refresca minha memória. Momentos antes do desespero, vi seu rosto sorrindo aquela risada que sorria quando aprontava. Vem, mas com coragem de mudar a vida, os pecados, as dores, a saudade. Vem prender-te em meus braços e perder-se em meu corpo. Vem que eu te quero toda em mim.

O instante de te ver me custou chagas de uma vida. Eu vim para não morrer. As marcas que ficaram, das chuvas que apaguei, das dores que curei, dos traumas que me livrei. O escuro a procurar a luz que a sua falta trás. Não me encontro mais sozinho com a minha solidão. O silêncio me devora aos poucos. É tudo ao mesmo tempo dentro do meu dilacerado coração. O tempo não existe. Existe e devora-me em tantos trechos esquecidos. Citações anotadas em pedaços de papel, em guardanapos. Em frangalhos, reergo-me em vitórias perdidas e batalhas não iniciadas. Do passado aprendi a ter medo do futuro.

A cada segundo me despeço da vida. Como a todo mundo, a cada instante deixamos um pedaço da existência para trás. Um passo para o fim. Sei que muita coisa é possível e provável, mas não luto contra a ordem natural. Apesar de muito, tudo leve. Tudo jaz. Tudo mais. Chorar de amor para mim é quase morrer. Saio para nunca mais voltar: em ti! Em mim. Eu sou um sonhador. Sonho a dor. E você?

Como num trapézio sem rede, eu me lanço sobre o mundo, ao rumo de seus olhos castanhos. Fecho os olhos e te vejo nítida. Anseio o dia que, com o refúgio dos meus sentidos, acorde sobre seus cálculos viciados sempre com a mesma solução ilógica. Desculpa se fiz das últimas noites fogo a consumir-me por inteiro, no ápice do inverno em agosto. Ainda guardo na memória o gosto doce dos seus abraços.

Meu rosto pregado antes que eu me esqueça de tudo que eu deveria esquecer. Vaga idéia sobre os passos maquinais. Dos dias todos iguais. A hora que não passa, a saudade que não cessa, a dor que consome aos poucos. No pátio interno de meu ser, peço e imploro para que fale comigo. Eu quero que você me aqueça neste inverno, neste inferno que engole com chamas os restos de que sobraram de mim e ficaram expostos em caos.

Eu tenho os dias contados, então mantenha distância de meu coração. Com os pés sujos de lama e a roupas rasgadas somos mais sinceros. Todos iguais dentro de suas diferenças herméticas. As pessoas são os lindos problemas que enfrentamos diariamente. Em frente, adiante, enquanto os outros se arrastam eu prefiro sumir. Olho meu rosto cansado no espelho e depois vou dormir entre as cores escondidas de suas retinas. Por de trás do rosto esconde uma contradição de sentimentos irreais e imaginários. Do outro lado há você.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

selvageria de estranhos íntimos

"Eu permito. Sem considerar nenhum outro desejo que não o de agora. Sem considerar nenhum passado entre nós ou qualquer possibilidade de futuro. Permito. Entrego confiando nos teus olhos todos os passos que nos permitimos até aqui. Onde zeramos nosso antes e interrogamos o nosso depois. Aqui eu tiro a roupa dos dias e exijo a tua nudez de homem e o vermelho da tua boca, a maciez da tua pele, os pêlos na desordem do corpo, os traços e volumes e os músculos e nós. Nós, a soma do eu e do tu. O plural, transbordando o copo, o olhar duplicado, as diferenças, a vida comum refletida pelo espelho dos olhos do outro, o elo de qual ligação nos deu o laço de qual sapato, de qual coração vagabundo leviano estamos falando? Eu permito. Sabendo de tudo o que eu sei até aqui e ignorando essa trajetória para começar um novo começo. Porque é preciso desaprender de quando em quando, zerar para uma nova temporada, limpar a pista para um novo desfile, cada pessoa é um novo começo. Não pense que não. Tenho a soma dos teus olhos nos meus, a soma da tua barba na minha e todo o embolar de cabelos e sons, desde quando o sexo é tão bom e confortável e dura tanto e não deve ter fim e fodam-se as convenções e os papais-mamães e todas as transas sem amor porque para compreender o que é invadir o corpo do outro é preciso amar e desejar tão intensamente sem ter que pedir licença para entrar, sem se sentir constrangido para explodir séculos e vidas dentro do universo e da intimidade e da história do outro. Entre. Eu permito. Eu desejo. Eu exijo a tua brutalidade sem que queiras me impressionar, apenas satisfazer nossos silêncios. De olhos nos olhos e corpos nos corpos, deslizar de abismos, selvageria de estranhos íntimos."
(Egídio La Pasta Jr.)s

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso..

Berna, 02 de janeiro de 1947.

Querida,
Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Nem sei como lhe explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perder o respeito a si mesma e o respeito às suas próprias necessidades - depois disso fica-se um pouco um trapo.
Eu queria tanto, tanto estar junto de você e conversar e contar experiências minhas e de outras pessoas. Você veria que há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Eu mesma não queria contar a você como estou agora, porque achei inútil. Pretendia apenas lhe contar o meu novo caráter, ou a falta de caráter, um mês antes de irmos ao Brasil, para você estar prevenida. Mas espero de tal forma que no navio ou avião que nos leva de volta, eu me transforme instantaneamente na antiga que eu era, que talvez nem fosse necessário contar. Querida, quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo o interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu... em que pese a comparação... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante. Espero que no navio que me leve de volta, só a idéia de ver você e de retomar um pouco a minha vida - que não era maravilhosa mas era uma vida - eu me transforme inteiramente.
Uma amiga, um dia, encheu-me de coragem, como ela disse, e me perguntou: "Você era muito diferente, não era?". Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora se disse: ou essa calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com lassidão de mulher de cinquenta anos. Tudo isso você não vai nem sentir, queira Deus. Não haveria necessidade de lhe dizer, então. Mas não pude deixar de querer lhe mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que faz um pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você - pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - esse é o único meio de viver.
Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia - será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Isso seria uma lição para mim. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade de alma.

Tua
Clarice

ai daqueles..

ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga
ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa
(Paulo Leminski)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

o caminho é in e não off

"Invento estorinhas para mim mesmo, o tempo todo, me conformo, me dou força."
(Caio F. Abreu)

medida exata da sutileza

"É quase inacreditável ver como você consegue ser emocional sem ser babaca, política sem ser panfletária, sensual sem ser grossa, culta sem ser pedante, elegante sem ser fresca. Como você consegue a medida exata da sutileza."
(Caio F. Abreu)

rosas e abismos

"Tinha desejos violentos, pequenas gulas, urgências perigosas, enternecimentos melados, ódios virulentos, tesões insaciáveis. Ouvia canções lamentosas, bebia para despertar fantasmas distraídos, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos. Exausto então, afogava-se num sono por vezes sem sonhos."
(Caio F. Abreu)

porque não estou fluindo..

"...Tudo isso dói. Mas eu sei que passa, que se está sendo assim é porque deve ser assim, e virá outro ciclo, depois. Para me dar força, escrevi no espelho do meu quarto: ¨Tá certo que o sonho acabou, mas também não precisa virar pesadelo, não é?¨. É o que estou tentando vivenciar.
Certo, muitas ilusões dançaram - mas eu me recuso a descrer absolutamente de tudo, eu faço força para manter algumas esperanças acesas, como velas. Também não quero dramatizar e fazer dos problemas reais monstros insolúveis, becos-sem-saída. Nada é muito terrível. Só viver, não é?
A barra mesmo é ter que estar vivo e ter que desdobrar, batalhar um jeito qualquer de ficar numa boa. O meu tem sido olhar pra dentro, devagar, ter muito cuidado com cada palavra, com cada movimento, com cada coisa que me ligue ao de fora. Até que os dois ritmos naturalmente se encaixem outra vez e passem a fluir. Porque não estou fluindo."
(Caio F. Abreu)