terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Charles Baudelaire - Os benefícios da Lua

“A lua, que é a própria imagem do capricho, olhou pela janela enquanto dormias em teu berço, e disse consigo, mesma: “Esta criança me agrada.”

E desceu maciamente a sua escada de nuvens, e deslizou sem ruído através das vidraças. E pousou sobre ti com um suave carinho de mãe, e depôs as suas cores em tuas faces. Então, tuas pupilas se tornaram verdes, e tuas faces extraordinariamente pálidas. Foi contemplando essa visitante que os teus olhos se dilataram de modo tão estranho; e ela com tão viva ternura te apertou a garganta que ficaste, para sempre, com o desejo de chorar.

Entretanto, na expansão da sua alegria, a lua invadia todo o quarto, como uma atmosfera fosfórica, como um peixe luminoso; e toda esta luz viva pensava e dizia:

- Tu sofrerás eternamente a influência do meu beijo.

Serás bela à minha maneira. Amarás o que eu amo e o que me ama: a água, as nuvens, o silêncio e a noite; o mar imenso e verde; a água informe e multiforme; o lugar onde
Não estiveres; o amante que não conheceres; as flores monstruosas; os perfumes que fazem delirar; os gatos que desmaiam sobre os pianos e gemem que nem as mulheres, com
Uma doce voz enrouquecida!

“E tu serás amada pelos meus amantes, cortejada pelos meus cortejadores. Serás a rainha dos homens de olhos verdes a quem também estreitei a garganta em minhas
Carícias noturnas; daqueles que amam o mar, o mar imenso, tumultuoso e verde, a água informe e multiforme, o lugar onde não estão, a mulher que não conhecem, as flores sinistras que sugerem incensórios de alguma religião ignota, os perfumes que turbam a vontade, e os animais selvagens e voluptuosos que são os emblemas da sua loucura.

E é por isso, maldita e querida criança mimada, que estou agora prosternado a teus pés, buscando em toda a tua pessoa o reflexo da terrível Divindade, da fatídica madrinha, da ama-de-leite envenenadora de todos os lunáticos.

sábado, 26 de dezembro de 2009

medo.

'Tenho medo de já ter perdido muito tempo. Tenho medo que seja cada vez mais difícil. Tenho medo de endurecer, de me fechar, de me encarapaçar dentro de uma solidão - escudo.'


Caio F. Abreu

doeu, dói.

'Doía. Continua doendo. Ainda não acabou. Passa, passará.'

Caio F. Abreu
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida....

Milton Nascimento

levanta e segue em frente.

"E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça - que não era Capitu, mas também tem olhos de ressaca - levanta e segue em frente. Não por ser forte, e sim pelo contrário...por saber que é fraca o bastante para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos os outros, vieram ao mundo."

Caio F. Abreu

me entreguei à passos largos.

'Também sei que ele gosta de mim, só não sei se ele sabe o quanto eu gosto dele, o quanto eu me entreguei ao escuro, aos passos largos. '

Caio F. Abreu

triste sem motivo.

"Não iriam entender que vezenquando a gente fica triste sem motivo, ou pior ainda, sem saber sequer se está mesmo triste. Mas podia aceitar, entrar no carro, vamos até à praia? Deitar a cabeça nos braços, apoiar os braços na janela aberta, vento entrando, remexendo nos cabelos, no rosto, jeito de lagrima querendo rolar..."

Caio F. Abreu

olhos parados.

"Os olhos, ela viu, os olhos tinham mudado. Estavam parados, com uma coisa no fundo que parecia paz. Ou desencanto."

(Caio Fernando Abreu)

sambas antigos.

"Gosto daqueles sambas mais antigos, a batida leve, mansinho, a voz fraca do cantor dizendo bem baixinho coisas bonitas e tristes"

Caio F. Abreu

armas de Jorge.

'de alguma forma absurda, nunca estive tão bem. armado com as armas de Jorge.'

Caio F. Abreu

o amor nos tempos do cólera.

'Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados.'


Gabriel García Marquez

acomoda-te.

"Trata de saborear a vida; e fica sabendo, que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la."


(Machado de Assis)

e falta de ar..

'Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que quase me deixa exausta. Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo. Eu sei chorar toda encolhida abraçando as pernas. Por isso, não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha a mim com corpo, alma, vísceras, e falta de ar...'

[Clarice Lispector]

Ponto de Fuga - Caio Fernando Abreu

Depois, tu sairias aéreo pisando no cascalho. Como ser aéreo ao pisar com força a terra? talvez te perguntasses. Mas ao mesmo tempo em que a pergunta nasceria do teu interior, projetada em surpresa num impacto que te faria deter os passos - ao mesmo tempo olharias para além da linha do horizonte, ao mesmo tempo para além da areia seca, da areia molhada, do quebrar das ondas depositando formas vivas e mortas na praia, para o primeiro quebrar de onda, espatifado em espuma debaixo do sol, ou talvez do céu escuro, mas se fosse luz, se houvesse luz, a onda quebraria num tremor, espalhada em gotas no ar, no vento, ao mesmo tempo - e tu olharias para o último quebrar de onda, para as ondas que já não quebram mais, para onde já nem existem ondas, para onde só resta o verdeverdeverde inexplicável na sua simplicidade de cor-de-mar-em-dia-claro, ao mesmo tempo olharias para o ponto de encontro entre o mar e o céu. E seria o além. Então procurarias sôfrego por uma palavra, em pânico escavando dentro de ti, pesquisando letras, letras despidas de significado ou significante, letras como um objeto. Das letras reunidas uma a uma, formarias uma palavra para definir esta ânsia de vôo subindo desde o chão até os olhos. Formarias uma palavra, esta: aéreo. No primeiro momento, serias a palavra, tu serias a coisa, ainda que ali, estático e terreno, pisando sobre o cascalho. Serias aéreo no momento exato em que a palavra se cumprisse em tua boca. Como algo que apenas por um ato de crença, um movimento de fé, se confirma e se consuma - aéreo.
Só depois desse primeiro momento, nenhum segundo, nem uma fatia mínima de tempo: um instante ínfimo em sua pequenez, máximo na sua amplitude e incompreensão, porque só o incompreensível é infinito - só depois desse primeiro momento é que te dobrarias para ti mesmo, a palavra latejando na memória, no corpo inteiro, nas mãos contidas, e te perguntarias lúcido - aéreo? Alado, talvez. Pensarias outras palavras, buscando já sonoridades, ressonâncias, ritmos, mas nenhuma delas, por mais lapidada que fosse, seria maior que aquela primeira. Nenhuma. Todo perdido dentro do nascido involuntário dentro de ti caminharias confuso pisando o cascalho.

O cascalho - farelos de pedra espalhados sobre a areia. O caminho de cascalho, nascido na areia, do começo da praia, passando entre o muro de pedras brancas e a estrutura incompleta do edifício, erguendo a nudez dos tijolos para o céu, misturando-se à grama, derramado sobre os valos e as lajes carcomidas das calçadas. O caminho de cascalho até o fim da rua plana, no ponto onde já não haveria mais rua, não haveria mais céu. Um vago encontro, onde mesmo o mar teria se dissolvido.

O mar e o céu.

O ponto.




E tu.

A rua e o céu.

O ponto.

Suspenso entre dois encontros, tu caminharias desencontrado. Como se fosse para sempre, pesado, os ombros curvos, esmagados pela solidão. Mas de repente haveria uma praça. Exatamente assim, como no poema, só que uma praça, no meio do caminho. Inesperada. Suspenderias os passos sem compreender, em desejar compreender - tomado unicamente de espanto, nenhum outro sentimento secundário: o espanto exato de ter encontrado uma praça. Passado o instante da posse -a coisa achada tomando conta de ti por inteiro, tu feito na coisa, tu: a própria coisa -, teu olhar se estenderia manso, procurando pontos de referência, traços em comum com outras praças encontradas em outras situações. Bancos, árvores, canteiros, talvez estátuas, quem sabe um lago-praça.

Não haveria nenhum lago nessa praça. Somente uma estátua, num dos cantos. Um homem na atitude de jogar um dardo, duas asas nos pés, corpo branco e nu, rosto de feições devastadas pela erosão. As árvores seriam baixas e poucas, as folhas de um verde sujo, arenoso. Caminhando, tu segurarias com raiva um galho - sem compreenderes a própria raiva e sem compreenderes a projeção dela no galho a poeira fina e densa ficaria flutuando no ar até que a ultrapassasses para tocar num banco com a mão. O banco seria de mármore, mármore amarelado pelo tempo, carcomido pelos inúmeros ventos. O banco não guardaria sequer nomes de namorados gravados num outro tempo, nem um palavrão, nem um desenho - só a carne lisa, como se tivesse retomado a um anterior estado de pureza depois de muitas marcas.

Mas essa pureza seria só aparência. Novamente deterias os passos para investigar o exterior limpo. Purificado? Não. A vida inteira vivida pelo banco teria permanecido em alguma escondida dimensão de seu ser. E a vida poluía. Carne gasta, já inatingível por qualquer palavra de ódio ou de amor, qualquer revolta ou qualquer alegria - o banco imundo.

Sentada no chão, encontrarias a moça vestida de azul. Pela terceira vez, tu serias invadido pela imagem. Desta vez, a moça. Tu: vindo de um caminho conhecido, em passadas às vezes lentas, leves, outras pesadas de espantos, quedas, quebras, tu: vindo por um caminho determinado, um caminho definido em pedaços de pedras, sobre as quais tu pisavas. Era o teu caminho: um caminho de pedras desfeitas desde a praia até a moça. A moça.

E a moça? De que lugar teria vindo? Que caminhos teria pisado? Que insuspeita das descobertas teria feito? Tu olharias a moça mas, as perguntas não acorrendo, o mistério que a envolveria seria desfeito - uma moça vestida de azul, sentada no chão de uma praça sem lago. Não poderias saber nada de mais absoluto sobre ela, a não ser ela própria. Fazendo perguntas, tu ouvirias respostas. Nas respostas ela poderia mentir, dissimular, e a realidade que estava sendo, a realidade que agora era, seria quebrada. pois, não fazendo perguntas, tu aceitarias a moça completamente. Desconhecida, ela seria mais completa que todo um inventário sobre o seu passado. Descobririas que as coisas e as pessoas só o são em totalidade quando não existem perguntas, ou quando essas perguntas não são feitas. Que a maneirar mais absoluta de aceitar alguém ou alguma coisa se ria justamente não falar, não perguntar - mas ver! Em silêncio.

Tu verias a moça.

A moça ver-te-ia?

Sentarias no chão, ao lado dela, tentarias descobrir nos olhos ou na boca ou em qualquer outro traço um sinal não de reconhecimento, mas de visão e pensarias que o que faz nascer as perguntas não é uma necessidade de conhecimento, mas de ser conhecido. Porque tu não saberias se a moça sentia a tua presença. Falando, ouvirias a tua própria voz, solta na praça, e terias a certeza de que a moça te ouvia. Ainda que não te visse, na visão completa que terias acabado de descobrir.

Suspensa a voz num primeiro momento, tu voltarias atrás, desejando ser visto. Mas para teres a certeza de ser visto, terias que ter a certeza de que eras ouvido. A moça não falaria. Nem se movimentaria. Teria, já, descoberto o silêncio como a mais ampla de comunicação? Estenderias a mão e a tocarias no seio, e a moça ainda não se movia. Afastarias o vestido, as tuas mãos desceriam pelos seios, pelo ventre, as tuas mãos atingiriam o sexo com dedos ávidos, o teu corpo iria se curvando numa antecipação de posse, o corpo da moça começaria a ceder, a pressão de teu corpo sobre o dela se faria mais forte: a moça deitaria de costas na areia, tão leve como se aquilo não fosse um movimento. Tu farias a tua afirmação de homem sobre a entrega dela. Mas os movimentos seriam só teus, vendo um céu talvez escuro, talvez iluminado, uma extensão de praça parecendo imensa vista em perspectiva. E uma estátua carcomida. Assim: teu membro explodiria dentro dela enquanto olharias fixo para um rosto de pedra branca despido de feições.

Depois sairias caminhando devagar, vencendo a praça, voltando ao caminho de cascalho. Mas desta vez pisarias muito suave. Seria leve o toque de teus pés, seria verde o teu olhar no gesto de virar a cabeça para ver o mar, seriam mansos os teus movimentos em direção ao ponto de fuga onde mergulharia a rua. Na esquina olharias pela segunda vez para trás e veria um caminho, uma praça e o mar. Um caminho, uma praça e o mar. E no meio da praça, uma moça. Bancos de mármore, árvores sujas, canteiros vazios, nenhum lago, uma estátua devastada e, muito recuada, uma moça. Sem movimentos, uma moça. Sem salvação, uma moça. Sem compreender, uma moça. Uma moça e uma tarde. Quase noite.

In: O Inventario do Irremediavel
Unending Love - Rabindranath Tagore
"I seem to have loved you in numberless forms, numberless times,
In life after life, in age after age forever.
My spell-bound heart has made and remade the necklace of songs
That you take as a gift, wear round your neck in your many forms

In life after life, in age after age forever.
Whenever I hear old chronicles of love, its age-old pain,
Its ancient tale of being apart or together,
As I stare on and on into the past, in the end you emerge
Clad in the light of a pole-star piercing the darkness of time:
You become an image of what is remembered forever.
You and I have floated here on the stream that brings from the fount
At the heart of time love of one for another.
We have played alongside millions of lovers, shared in the same
Shy sweetness of meeting, the same distressful tears of farewell -
Old love, but in shapes that renew and renew forever."

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

feliz, feliz Natal.

"...à meia-noite volto a nascer. Você também. Que seja suave, perfumado nosso parto entre ervas na manjedoura. Que sejamos doces com nossa mãe Gaia, que anda morrendo de morte matada por nós. Façamos um brinde a todas as coisas que o Senhor pôs na Terra para nosso deleite e terror. Brindemos à Vida - talvez seja esse o nome daquele cara, e não o que você imaginou. Embora sejam iguais. Sinônimos, indissociáveis. Feliz, feliz Natal. Merecemos."

(Caio F.)

sábado, 19 de dezembro de 2009

ELEGIA - estrofe 7
-Cecilia Meireles-


(...)
Faltam teus olhos com ilhas, mares, viagens, povos,
tua boca, onde a passagem da vida
tinha deixado uma doçura triste,
que dispensava palavras.

Ah, falta o silêncio que estava entre nós,
e olhava a tarde, também.

Nele vivia o teu amor por mim,
obrigatório e secreto.
Igual à face da Natureza:
evidente, e sem definição.

Tudo em ti era uma ausência que se demorava:
uma despedida pronta a cumprir-se.

Sentindo-o, cobria minhas lágrimas com um riso doido.
Agora, tenho medo que não visses
o que havia por trás dele.

Aqui está meu rosto verdadeiro,
defronte do crepúsculo que não alcançaste.
Abre o túmulo, e olha-me:
dize-me qual de nós morreu mais.

domingo, 13 de dezembro de 2009

nunca mais me procurou.

'E que então pensei numas tardes em que você sempre vinha, e numa tarde em especial, não sei quanto tempo faz, e que depois de pensar nessa tarde e nessa chuva e nessa roda-gigante, uma frase ficou rodando nítida e quase dura no meu pensamento. Qualquer coisa assim: depois daquela nossa conversa - depois daquela nossa conversa na chuva, você nunca mais me procurou.'

(Caio Fernando Abreu)

você viu a lua?

" _ Você viu a lua? – ela perguntou.
Só então ele olhou para cima, para lua cheia no céu de dezembro. Ficou olhando quase esquecido dela, entendendo devagar por que fosforesciam a areia, a crista das ondas, o vestido, a pele, os cabelos da moça. Tornou a olhá-la, ela já não estava onde pensou que estaria (...) Nos olhos dela as pupilas eram remotas ilhas no horizonte e alguma coisa, alguma coisa ele não entendia. "

(Caio Fernando Abreu)

ausência.

'Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.'

Vinicius de Moraes

sábado, 12 de dezembro de 2009

ausência.

'Tudo em ti era uma ausência que se demorava: uma despedida pronta a cumprir-se.'

(Cecilia Meireles)

nada modificaria nossos roteiros.

'Não sei se chegamos a nos abraçar, mas sei que falamos. Não havia nada para fazer lá em cima, a não ser falar. E nós tínhamos tão pouca experiência disso que falamos e falamos durante muito e muito tempo, e entre inúmeras coisas sem importância você disse que me amava, ou eu disse que te amava - ou talvez os dois tivéssemos dito, da mesma forma como falamos da chuva e de outras coisas pequenas, bobas, insiginificantes. Porque nada modificaria os nossos roteiros.'

(Caio Fernando Abreu)

viver é difícil paca.

'Eu fiquei uma porção de tempo tentando ser “legal e maduro”, “uma presença leve e agradável” — porque eu tô ainda muito inseguro de mim mesmo, e não acreditando absolutamente que alguém possa me curtir bem assim como eu sou. Eu não tenho quase experiência dessas transações, me enrolo todo, faço tudo errado — acabo me sentindo confuso. Tudo isso é tão íntimo, e eu já estou tão desacostumado de me contar inteiramente a alguém, tão desacreditando na capacidade de compreensão do outro, sei lá, não é nada disso, sabe? Conviver é difícil — as pessoas são difíceis — viver é dificil paca.'

Caio Fernando Abreu

despedir-se de um amor.

'Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente.'


(Martha Medeiros)

porque não estou fluindo.

Tudo isso dói.
Mas eu sei que passa, que se está sendo assim é porque deve ser assim, e virá outro ciclo, depois.
Para me dar força, escrevi no espelho do meu quarto:' Tá certo que o sonho acabou, mas também não precisa virar pesadelo, não é? ' É o que estou tentando vivenciar.
Certo, muitas ilusões dançaram - mas eu me recuso a descrer absolutamente de tudo, eu faço força para manter algumas esperanças acesas, como velas. Também não quero dramatizar e fazer dos problemas reais monstros insolúveis,becos-sem-saída.
Nada é muito terrível. Só viver,não é?
A barra mesmo é ter que estar vivo e ter que desdobrar, batalhar um jeito qualquer de ficar numa boa. O meu tem sido olhar pra dentro, devagar, ter muito cuidado com cada palavra, com cada movimento, com cada coisa que me ligue ao de fora. Até que os dois ritmos naturalmente se encaixem outra vez e passem a fluir.
Porque não estou fluindo.

(Caio Fernando Abreu)

da mesma forma.

"Seja como for, continuo gostando muito de você - da mesma forma -, você está quase sempre perto de mim, quase sempre presente em memórias, lembranças, estórias que conto às vezes, saudade..."

(Caio Fernando Abreu)

e você sabe.

"Você devia ter feito alguma coisa para me ter. ou me deter.
É fim de tarde. E, você sabe,
Eu te amava."

(Fernanda Young)

quando for a hora de ir embora.

'Mas quando for a hora de ir embora sei que, sofrendo, deixarei você longe de mim.Não me envergonharia de pedir ao seu amor esmola,mas não quero que o meu verão resseque o seu jardim.'

(Fernanda Young)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

foi bom te encontrar.

"E quis te dizer de como era bom que a gente tivesse se encontrado, assim, sem pedir, sem esperar."

(Caio F. Abreu)

e penso demais em você.

"Penso coisas bobas quando, sentado na janela do ônibus, encosto a cabeça na vidraça, deixo a paisagem correr, e penso demais em você."

(Caio F. Abreu)

perturbar os cantos de meus lábios.

"Fazia muito tempo que eu não tinha vontade de sorrir para nada nem para ninguém, então era extraordinário que ele conseguisse perturbar assim os cantos de meus lábios."

(Caio F. Abreu)

está tudo bonito.

"E — de repente — senti. Estava tudo muito bonito, e muitas vezes eu choro quando tudo está assim, bonito."

(Caio F. Abreu)

é você.

'É você quem sorri, morde o lábio, fala grosso, conta histórias, me tira do sério, faz ares de palhaço, pinta segredos, ilumina o corredor por onde passo todos os dias.'

(Caio F. Abreu)

ninguém roubará.

"Ela dorme segura protegida no ombro dele que a protege seguro. Mesmo dormindo, mesmo do lado de cá. E isso é para sempre, por mais que o tempo passe e a afaste cada vez mais dele, que continua eterno naquele segundo em que o viu. E isso ninguém roubará".

(Caio F. Abreu)

o que resta das perdas.

'Parece-me agora, tanto tempo depois, que as partidas-dolorosas, as amargas-separações, as perdas-irreparáveis costumam lavrar assim o rosto dos que ficam. E do buraco negro da memória que ocupa o espaço anteriormente ocupado por esta pessoa - sim, era uma pessoa que não lembro - , em vez de faces, jeitos, vozes, nomes, cheiros, formas, chegam-me somente emoções confusas ou palavras como estas - doloroso, amargo, irreparável.'

(Caio F. Abreu)

iminência.

'descobre-se um amor na iminência de perdê-lo.'

(autor desconhecido)

inseguro.

"Porque eu tô ainda muito inseguro de mim mesmo, e não acreditando absolutamente que alguém possa me curtir bem assim como eu sou.

(Caio F. Abreu)

pausa na dor.

'Polisipo, em grego, significa “pausa na dor”. Têm sido, estes dias, polisipos. Que os teus também. Muito amor...'

(Caio F. Abreu)

preciso de pouco.

'só preciso de alguns abraços queridos, a companhia suave, bate-papos que me façam sorrir, algum nível de embriaguez e a sincronicidade: eu e você não acontecemos por uma relação causal, mas por uma relação de significado, que ainda estamos trabalhando.'

(Caio F. Abreu)

exagerada.

'exagerada toda a vida: minhas paixões são ardentes; minhas dores de cotovelo, de querer morrer; louca do tipo desvairada; briguenta de tô de mal pra sempre; durmo treze horas seguidas; meus amigos são semi-irmãos; meus amores são sempre eternos e meus dramas, mexicanos!"

(Clarice Lispector)

por que não?

'eu acho que a gente não deve perder a curiosidade pelas coisas: há muitos lugares para serem vistos, muitas pessoas para serem conhecidas. tudo isso estimula a gente, clareia a cabeça, refresca. por que não?'

(Caio F. Abreu)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

risco.

"A gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar."
(Antoine de Saint-Exupéry )

por não estarem mais distraídos.

'foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.'

Clarice Lispector)

bom te encontrar.

'e quis te dizer de como era bom que a gente tivesse se encontrado, assim, sem pedir, sem esperar.'


(Caio F. Abreu)

mas vive.

'ela é mais que um sorriso tímido de canto de boca, dos que você sabe
que ela soube o que você quis dizer. ela fala com o coração e sabe que
o amor, não é qualquer um que consegue ter. ela é a sensibilidade de
alguém que não entende o que veio fazer nessa vida, mas vive. '

(Caio Fernando Abreu)

nuvem que não passa.

'Tenho um amor fresco e com gosto de chuva e raios e urgências. Tenho um amor que me veio pronto, assim, água que caiu de repente, nuvem que não passa. Me escorrem desejos pelo rosto pelo corpo. Um amor susto. Um amor raio trovão fazendo barulho. Me bagunça.
E chove em mim todos os dias.'

(Caio Fernando Abreu)

não sei.

'Ah. Menina, o que foi que aconteceu com você? O que foi que fizeram com você? Eu não sei, eu não entendo. Roubaram a minha alegria, Tiamelinha..'

(Caio F.)

amanhã tem sol.

'Porque nem você nem eu somos descartáveis. E amanhã tem sol.'

(Caio F.)

nada mais importa.

'vamos embora para um lugar limpo. deixe tudo como esta. feche as portas, não pague as contas e nem conte a ninguém. nada mais importa. agora você me tem, agora eu tenho você. nada mais importa.'

(Caio F.)

uma segurança de sabê-lo ali.

'mesmo assim eu não esquecia dele. em parte porque seria impossível esquecê-lo, em parte também, principalmente, porque não desejava isso. é verdade, eu o amava. não com esse amor de carne, de querer tocá-lo e possuí-lo e saber coisas de dentro dele. era um amor diferente, quase assim feito uma segurança de sabê-lo sempre ali.'

(Caio F.)

largar tudo.

'sei que pretendia dizer alguma coisa muito especial pra você, alguma coisa que faria você largar tudo e vir correndo me ver.'

gosto das pessoas.

'gosto, gosto das pessoas. (...) gosto de vê-las, de estar a seu lado, saber suas tristezas, suas esperas, suas vidas.'

(Caio F.)

aturar a vida sabendo que tem você.

'porque é tão mais fácil aturar a vida sabendo que tem você. agora sem você, meu amigo, a coisa é feia. realmente feia.'

(Caio F. Abreu)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

nada além.

'Se o amor só nos causa sofrimento e dor...
Eu não quero e não peço para o meu
coração, nada além de uma linda ilusão.'

(Mario Lago)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

coisas minhas que você não sabe.

'penso sempre que um dia a gente vai se encontrar de novo, e que então tudo vai ser mais claro, que não vai mais haver medo nem coisas falsas. há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber para compreender todas as vezes que fugi de você e voltei e tornei a fugir. são coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas - se um dia a gente se encontrar de novo, em amor, eu direi delas, caso contrário não será preciso.'

- Caio F. Abreu

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

assistindo ao fracasso do ser humano.

'Sou uma alma da belle époque. Não gosto da minha época. Não tenho afinidade com ela. A meu ver estamos assistindo ao fracasso do ser humano. Isso não quer dizer que mais adiante ele não se levante, mas no momento o ser humano está de quatro.'

(Nelson Rodrigues)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

gosto.

'Eu gosto de gostos, eu gosto de pele, de cheiro, de amor verdadeiro.'

(Caio F. Abreu)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

vida pra dentro.

"fico vivendo uma vida toda pra dentro, lendo, escrevendo, ouvindo música o tempo todo."

(Caio F. Abreu)

domingo, 8 de novembro de 2009

tudo aquilo que quisermos.

"- Você acha que o nosso amor pode fazer milagres?
- Eu acho que o nosso amor pode fazer tudo aquilo que quisermos. É isso que te traz de volta pra mim o tempo todo."

(Caio F. Abreu)
"Lá está ela, mais uma vez. Não sei, não vou saber, não dá pra entender como ela não se cansa disso. Sabe que tudo acontece como um jogo, se é de azar ou de sorte, não dá pra prever. Ou melhor, até se pode prever, mas ela dispensa. [...] E se ela se afogar, se recupera. [...] E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos, pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça – que não era Capitu, mas também tem olhos de ressaca – levanta e segue em frente."

(Caio F. Abreu)

uma urgência dentro de mim.

'Não era nada com você. Ou quase nada. Estou tão desintegrado. Atravessei o resto da noite encarando minha desintegração. Joguei sobre você tantos medos, tanta coisa travada, tanto medo de rejeição, tanta dor. Difícil explicar. Muitas coisas duras por dentro. Farpas. Uma pressa, uma urgência.'

(Caio F. Abreu)

tudo bem.

“Um Band-Aid no coração, um sorriso nos lábios - e tudo bem“

Cio F. Abreu)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

quantas guerras terei de vencer por um pouco de paz.

Sonho Impossível
Maria Bethânia
Composição: J.Darion / M.Leigh / Ruy Guerra

Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite provável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar este mundo, cravar este chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu
Delirar e morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

apenas cinco coisas.

"Quero apenas cinco coisas..
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos
Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando."

(Pablo Neruda)

parece que tudo começou ontem.

"Hoje, temos a impressão de que tudo começou ontem. Não somos os mesmos, mas somos mais juntos. Sabemos mais uns dos outros. E é por esse motivo que dizer adeus se torna tão complicado. Digamos, então, que nada se perderá. Pelo menos, dentro da gente.”

(João Guimarães Rosa)

o que era quer da gente é coragem.

"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre no meio da tristeza! Só assim de repente, na horinha em que se quer, de propósito - por coragem. Será? Era o que eu às vezes achava. Ao clarear do dia."

(Grande Sertão: Veredas - Guimarães Rosa)

Deus dará.

"Eu estava me sentindo muito triste. Você pode dizer que isso tem sido freqüente demais, ou até um pouco (ou muito) chato. Mas, que se há de fazer, se eu estava mesmo muito triste? Tristeza-garoa, fininha, cortante, persistente, com alguns relâmpagos de catástrofe futura. Projeções: e amanhã, e depois? e trabalho, amor, moradia? o que vai acontecer? Típico pensamento-nada-a-ver: sossega, o que vai acontecer acontecerá. Relaxa, baby, e flui: barquinho na correnteza, Deus dará."

(Caio Fernando Abreu)

que te dizer?

"Que te amo, que te esperarei um dia numa rodoviária, num aeroporto, que te acredito, que consegues mexer dentro-dentro de mim? É tão pouco. Não te preocupa. O que acontece é sempre natural — se a gente tiver que se encontrar, aqui ou na China, a gente se encontra. Penso em você principalmente como a minha possibilidade de paz — a única que pintou até agora, “nesta minha vida de retinas fatigadas”. E te espero. E te curto todos os dias. E te gosto. Muito. Tô morando, trabalhando, estudando e amando. Esses são os quatro foles da minha vida, no momento, e sobre cada um deles eu teria milhares de páginas a preencher"

(caio Fernando Abreu)

ou eu gosto ou não gosto.

"Não sinto nada mais ou menos, ou eu gosto ou não gosto. Não sei sentir em doses homeopáticas. Preciso e gosto de intensidade, mesmo que ela seja ilusória e se não for assim, prefiro que não seja.
Não me apetece viver histórias medíocres, paixões não correspondidas e pessoas água com açúcar. Não sei brincar e ser café com leite. Só quero na minha vida gente que transpire adrenalina de alguma forma, que tenha coragem suficiente pra me dizer o que sente antes, durante e depois ou que invente boas estórias caso não possa vivê-las. Porque eu acho sempre muitas coisas - porque tenho uma mente fértil e delirante - e porque posso achar errado - e ter que me desculpar - e detesto pedir desculpas embora o faça sem dificuldade se me provarem que eu estraguei tudo achando o que não devia.
Quero grandes histórias e estórias; quero o amor e o ódio; quero o mais, o demais ou o nada. Não me importa o que é de verdade ou o que é mentira, mas tem que me convencer, extrair o máximo do meu prazer e me fazer crêr que é para sempre quando eu digo convicto que "nada é para sempre."

(Gabriel Garcia Marquez)

eu apenas queria que você soubesse..

"Eu apenas queria que você soubesse que aquela alegria ainda está comigo.
E que a minha ternura não ficou na estrada, não ficou no tempo, presa na poeira.
Eu apenas queria que você soubesse que esta menina hoje é uma mulher, e que esta mulher é uma menina que colheu seu fruto, flor do seu carinho.
Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta, que hoje, eu me gosto muito mais porque me entendo muito mais também.
E que a atitude de recomeçar é todo dia, toda hora.
É se respeitar na sua força e fé, é se olhar bem fundo até o dedão do pé.
Eu apenas queria que você soubesse que essa criança brinca nesta roda e não teme o corte das novas feridas pois tem a saúde que aprendeu com a vida."

(Gonzaguinha)

terça-feira, 27 de outubro de 2009

verdade absoluta.

'fico pensando que nunca mais vai se repetir, é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre.' (Caio F. Abreu)

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Por qué tanto perderse, tanto buscarse, sin encontrarse?
Me encierran los muros de todas partes.
Barcelona te estás equivocando, no puedes seguir inventando,
que el mundo sea otra cosa y volar como mariposa.

Barcelona, hace un calor que me deja fría por dentro, con este vicio de vivir mintiendo.
Qué bonito sería tu mar, si supiera yo nadar.
Barcelona, mi mente está llena de cara de gente extranjera:
conocida, desconocida y vuelta a ser transparente.

No existo más Barcelona, siendo esposa de tus ruidos, tu laberinto extrovertido.
No he encontrado la razón, por qué me duele el corazón.
Porque es tan fuerte que sólo podré vivirte en la distancia y escribirte una canción.

Te quiero Barcelona
Barcelona es poderosa

vicky cristina barcelona

Vicky and Cristina decided to spend the summer in Barcelona. Vicky was completing her master's in Catalan Identity, which she had become interested in through her great affection for the architecture of Gaudí. Cristina, who spent the last six months writing, directing, and acting in a 12-minute film which she then hated, had just broken up with yet another boyfriend and longed for a change of scenery. Everything fell into place when a distant relative of Vicky's family who lived in Barcelona offered to put both girls up for July and August. The two best friends had been close since college and shared the same tastes and opinions on most matters, yet when it came to the subject of love, it would be hard to find two more dissimilar viewpoints. Vicky had no tolerance for pain and no lust for combat. She was grounded and realistic. Her requirements in a man were seriousness and stability. She had become engaged to Doug because he was decent and successful and understood the beauty of commitment.
Cristina, on the other hand, expected something very different out of love. She had reluctantly accepted suffering as an inevitable component of deep passion, and was resigned to putting her feelings at risk. If you asked her what it was she was gambling her emotions on to win, she would not have been able to say. She knew what she didn't want, however, and that was exactly what Vicky valued above all else.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

eu perco o chão.

eu perco o chão
eu não acho as palavras
eu ando tão triste
eu corro pela sala
eu perco a hora
eu chego no fim
eu deixo a porta aberta
eu não moro mais em mim.

eu perco as chaves de casa
eu perco o freio
estou em milhares de cacos
eu estou ao meio
e onde será que você está agora?

Adriana Calcanhoto - Metade

pois é.

'Ah, mas tudo bem. Em seguida todo mundo se acostuma. As pessoas esquecem umas das outra com tanta facilidade. Como é mesmo que minha mãe dizia? Quem não é visto não é lembrado. Longe dos olhos, longe do coração. Pois é.'

(Caio F. Abreu)

hematomas no plexo solar.

'não te tocar, não pedir um abraço, não pedir ajuda, não dizer que estou ferido, que quase morri, não dizer nada, fechar os olhos, ouvir o barulho do mar, fingindo dormir, que tudo está bem, os hematomas no plexo solar, o coração rasgado, tudo bem..'

(Caio F. Abreu)

ela queria acreditar..

"Não, ela não era tola. Mas como quem não desiste de anjos, fadas, cegonhas com bebês, ilhas gregas e happy ends cinderelescos, ela queria acreditar. Até a noite súbita em que não conseguiu mais. E jogou copos de uísque na cara dele, ligou bêbada de madrugada durante dias, deixou recados terríveis na secretária eletrônica ameaçando suicídio, assassinato, processo, chamando-o de ladrão.."

(Caio F. Abreu)

terça-feira, 15 de setembro de 2009

cresce e se modifica.

"Fecho os olhos. Somente a memória fala: porque é certo que as pessoas estão sempre crescendo e se modificando, mas estando próximas uma vai adequando o seu crescimento e a sua modificação ao crescimento e à modificação da outra; mas estando distantes, uma cresce e se modifica num sentido e outra noutro completamente diferente, distraídas."
(Caio F. Abreu)

domingo, 13 de setembro de 2009

'uma pessoa não é só um amontoado de frasezinhas supostamente brilhantes. particularmente, acho perda de tempo tentar mostrar a alguém que existe muito mais do que palavras em um texto. existe alma. existe ali, um individuo mutante. capaz de abrir cicatrizes e suturar feridas. existe paixão e conflito. e isso explica tudo.'
(Caio F. Abreu)

domingo, 9 de agosto de 2009

deixa passar.

"Coisas belas, coisas feias: o bom é que passam, passam, passam. Deixa passar."
(Caio F. Abreu)

a gente se encontra..

'não te preocupa. o que acontece é sempre natural — se a gente tiver que se encontrar, aqui ou na China, a gente se encontra.'
(Caio F. Abreu)

muito.

'penso em você principalmente como a minha possibilidade de paz — a única que pintou até agora, "nesta minha vida de retinas fatigadas". e te espero. e te curto todos os dias. e te gosto. muito.'
(Caio F. Abreu)

não passou.

'como se já estivesse passado. mas não passou. eu ainda estou aqui. talvez daqui a pouco eu chore, ou grite, ou saia correndo no escuro.'
(Caio F. Abreu)

viver: tarefa dura.

'viver agora, tarefa dura. de cada dia arrancar das coisas, com as unhas, uma modesta alegria; em cada noite descobrir um motivo razoável para acordar amanhã.'
(Caio F. Abreu)

tudo tem jeito.

'vê se ri um pouco. tenho aprendido que tudo tem jeito, o tempo é remédio pra tudo, vivendo e aprendendo.'
(Caio F. Abreu)

cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

'tão estranho carregar uma vida inteira no corpo e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros..'
(Caio F. Abreu)

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Richard Sennett

O romancista Salman Rushdie afirma que o eu moderno é "um edifício instável que construímos com dogmas, mágoas de infância, artigos de jornal, observações casuais, velhos filmes, pequenas vitórias, pessoas odiadas, pessoas amadas". Para ele, a narrativa de uma vida aparece como uma colagem, uma montagem do acidental, do encontrado e do improvisado.
A psique permanece num estado de interminável vir a ser - um eu jamais acabado. Nessas circunstâncias, não pode haver uma narrativa de vida coerente, um momento esclarecedor de mudança iluminando o todo...
Essas visões de narrativa, às vezes chamadas "pós-modernas", refletem na verdade a experiência do tempo na moderna economia política. Um eu maleável, uma colagem de fragmentos em incessante vir a ser, sempre aberto a novas experiências - essas são as condições adequadas à experiência de trabalho de curto prazo, a instituições flexíveis e ao constante correr de riscos.
Da mesma maneira, as pessoas podem sofrer de superficialidade ao tentar ler o mundo em torno delas e a si mesmas. As imagens de uma sociedade sem classes, com uma maneira comum de falar, vestir e ver, também pode servir para esconder diferenças mais profundas; numa determinada superfície, todos parecem estar em um plano igual, mas abrir a superfície pode exigir um código que as pessoas não têm. E se o que elas sabem sobre si mesmas é fácil e imediato, talvez seja demasiado pouco...

sexta-feira, 19 de junho de 2009

quero ser diferente.

"...nenhuma luta haverá jamais de me embrutecer, nenhum cotidiano será tão pesado a ponto de me esmagar, nenhuma carga me fará baixar a cabeça. Quero ser diferente. Eu sou. E se não for, me farei."

Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 4 de junho de 2009

i want to be your what's happening..

I want to be your love, to make you cry and sweep you off your feet. To hurt your pride, to slap your face, to paint your nails, to make you scream. To braid your hair, to kiss your friends to make you laugh, to dress the same, To defend you, to squeeze your thighs.
I want to kiss your eyelids and corrupt your dreams. I want to crash your car, I want to scratch your cheeks. I want to make you sick, I want to sell you out. Want to expose your flaws, I want to steal your things, I want to show you off. I want to tell you lies, I want to write you books, I want to turn you on, I want to make you cum 200 times a day. I want to dry your tears every time you're sad. I want to be what's happening, I want to be your only friend. I want to be a beast. I want to make you proud and play with your head. I want to take you out, make you feel adored and buy you everything. I want to hurt you bad, make you paranoid and say the sweetest things. I want to help you grow and for eternity.

I want to be your what's happening... what's happening?

sexta-feira, 22 de maio de 2009

desumanidade.

"Quando olho para mim mesmo, não gosto do que vejo. Mas quando olho para você, gosto muito menos. Os amigos desaparecem no momento exato em que você precisa deles. O mundo te machuca. As pessoas te empurram nas filas, dentro dos ônibus, nas esquinas. Tudo grita na sua cara que você não vale absolutamente nada. Quando olho para você, quando olho para mim, não posso evitar de pensar que o homem é apenas um animal que não deu muito certo. "

Caio Fernando Abreu

na distância a gente perde

"Não vou perguntar por que você voltou, acho que nem mesmo você sabe, e se eu perguntasse você se sentiria obrigado a responder, e respondendo daria uma explicação que nem mesmo você sabe qual é. Não há explicação, compreende? Eu também não queria perguntar, pensei que só no silêncio fosse possível construir uma compreensão, mas não é, sei que não é, você também sabe, pelo menos por enquanto, talvez não se tenha ainda atingido o ponto em que o silêncio basta? É preciso encher o vazio de palavras, ainda que seja tudo incompreensão? Só vou perguntar por que você se foi, se sabia que haveria uma distância, e que na distância a gente perde ou esquece tudo aquilo que construiu junto. E esquece sabendo que está esquecendo."

Caio F. Abreu

quinta-feira, 21 de maio de 2009

apenas dentro dela.

"Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: tranformara-se no símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia apenas dentro dela"


Caio Fernando Abreu

por que?

"Podia esperar de qualquer um essa fuga, esse fechamento. Mas não de você, se sempre foram de ternura nossos encontros e mesmo nossos desencontros não pesavam, e se lúcidos nos reconhecíamos precários, carentes, incompletos. Meras tentativas, nós. Mas doces. Por que então assim tão de repente e duro, por que?"


Caio Fernando Abreu

aqui.

"tão triste ir buscar lá fora o que devia estar aqui dentro"

Lygia Fagundes Telles

o dono da dor é quem sabe.

"A gente nunca pode julgar o que acontece dentro dos outros."

Caio F. Abreu

sofrendo feliz.

"Estou sofrendo de amor feliz. Só aparentemente é que isso é contraditório. Quando se sente amor, tem-se uma funda ansiedade. É como se eu risse e chorasse ao mesmo tempo. Sem falar no medo que essa felicidade não dure."

Clarice Lispector

metade perdida.

"A gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro."


Caio F. Abreu

tendência otimista da memória.

"A memória tem sempre essa tendência otimista de filtrar as lembranças más para deixar só o verde, o vivo. Antigamente, sempre era melhor, ainda que não fosse. Talvez porque já esteja, lá, tudo solucionado e a gente possa se ver, no tempo, como quem vê uma personagem num livro ou filme: aconteça o que acontecer, há um fim definido, predeterminado. Essa espécie de improvisação do agora, do que está sendo moldado, causa muito mais angústia. Não temos, como no samba, a menor idéia de como será o amanhã."


Caio F. Abreu

memórias e cansaços.

"Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços."


Caio F. Abreu

paciência

"porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicídio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituímos expressões fatais como ‘não resistirei’ por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência."


Caio F. Abreu

saber olhas as coisas.

"Olha, sabe duma coisa que eu aprendi? O segredo do belo está aqui, oh. Na sua cuca, no seu olho que realmente vê, dentro de você. Se você souber olhar as coisas dum jeito mágico, tudo fica mais bonito. "


Caio F. Abreu

quando não se tem, se inventa.

“...porque fé, quando não se tem, se inventa,... para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal... Deus, põe teu olho amoroso sobre todos os que já tiveram um amor sem nojo nem medo, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem... sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma — sobre esses que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões... envia teu Sol mais luminoso...”

Caio F. Abreu

escolhas.

"De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele."


Calrice Lispector

a cada momento tudo se perde.

"Não é saudade, porque para mim a vida é dinâmica e nunca lamento o que se perdeu - mas é sem dúvida uma sensação muito clara de que a vida escorre talvez rápida demais e, a cada momento, tudo se perde."


Caio F. Abreu

foi a que mais doeu.

"Derramei três lágrimas: a primeira escorreu pela face e perdeu-se na boca; a segunda morreu achatada contra o assoalho; a terceira caiu na tua mão. E foi a que mais doeu.''


Caio F. Abreu

e tudo, e tudo, e tudo..

'Nos últimos dias, isto é, ontem, a tristeza começou a ceder terreno a uma espécie de - digamos - abnegação. Durmo, acordo, faço coisas, leio muito. E esse vazio que ninguém dá jeito? Você guarda no bolso, olha o céu, suspira, vai a um cinema, essas coisas. E tudo, e tudo, e tudo...'

Caio F. Abreu
"Luto para não ter o pior de todos os sentimentos:
o que de nada vale nada".


Clarice Lispector

ir-remediável

"Se eu pudesse me resumir,
diria que sou irremediável".


Clarice Lispector

.

Não tenho certeza de nada,
mas a visão das estrelas
me faz sonhar.

eu sou aquela que...

'tenho frequentemente vontade de chorar, e o que em geral se reduz à vontade apenas, como se a crise se completasse no desejo. Uns dias, cheia de tédio, enervada e triste. Outros, lânguida como uma gata, embriangando-me com os menores acontecimentos. Uma folha caindo, um grito de criança, e penso: mais um momento e não suportarei tanta felicidade. E realmente não a suporto, embora não saiba propriamente em que consista essa felicidade. Caio num choro abafado, aliviando-me, com a impressão confusa de que me entrego, a não sei quem e não sei de que forma.'

Clarice Lispector

don't feel the same

"Sou feliz na hora errada.
Infeliz quando todos dançam"


Clarice Lispector

terça-feira, 12 de maio de 2009

it was worth all the while.

'Sofri, chorei, mas mesmo assim eu fui feliz.'

Caio F. Abreu

incompreensível sem ela.

'Preciso dela, amanhã de manhã. Quando o mundo continuará igual. Só que sem ela. E, portanto, um pouco mais feio, um pouco mais sujo. Mais incompreensível, e menos nobre.'

Caio F. Abreu

sábado, 9 de maio de 2009

A um ausente.

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

[b]Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.[/b]

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

(Carlos Drummond de Andrade)

'saudade é não saber..'

'Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.'

(Martha Medeiros)

saudade.

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

(Pablo Neruda)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

as pessoas suportam tudo.

"Eu quero a alegria, rosnou, quero porque quero o princípio do prazer, não tornaria a ouvir o sax desesperado, o seco, porque não suportaria, sim, suportaria, suportarás, as pessoas suportam tudo, as pessoas às vezes procuram exatamente o que será capaz de doer ainda mais fundo..."

Caio F. Abreu

disposto e aberto.

“Ou me quer e vem, ou não me quer e não vem. Mas me diga logo para que eu possa desocupar o coração. Avisei que não dou mais nenhum sinal de vida. E não darei. Não é mais possível. Não vou me alimentar de ilusões. Prefiro reconhecer com o máximo de tranquilidade possível que estou só do que ficar à mercê de visitas adiadas, encontros transferidos. No plano REAL: que história é essa? No que depende de mim, estou DISPOSTO e ABERTO.”

Caio F. Abreu

para sempre agora..

"Se podia voltar, insistiu, para sermos felizes juntos. Eu disse que sim, claro que sim, muitas vezes que sim, e aquela voz repetiu e repetia que me queria desta vez ainda mais, de um jeito melhor e para sempre agora."

Caio F. Abreu

sorrio, então.

"Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria. Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome."

Caio F. Abreu

terça-feira, 28 de abril de 2009

Imaginei seu rosto em um dia de desespero. Saudade consumia-me em fragmentadas dores de um passado recente. Seu perfume ainda refresca minha memória. Momentos antes do desespero, vi seu rosto sorrindo aquela risada que sorria quando aprontava. Vem, mas com coragem de mudar a vida, os pecados, as dores, a saudade. Vem prender-te em meus braços e perder-se em meu corpo. Vem que eu te quero toda em mim.

O instante de te ver me custou chagas de uma vida. Eu vim para não morrer. As marcas que ficaram, das chuvas que apaguei, das dores que curei, dos traumas que me livrei. O escuro a procurar a luz que a sua falta trás. Não me encontro mais sozinho com a minha solidão. O silêncio me devora aos poucos. É tudo ao mesmo tempo dentro do meu dilacerado coração. O tempo não existe. Existe e devora-me em tantos trechos esquecidos. Citações anotadas em pedaços de papel, em guardanapos. Em frangalhos, reergo-me em vitórias perdidas e batalhas não iniciadas. Do passado aprendi a ter medo do futuro.

A cada segundo me despeço da vida. Como a todo mundo, a cada instante deixamos um pedaço da existência para trás. Um passo para o fim. Sei que muita coisa é possível e provável, mas não luto contra a ordem natural. Apesar de muito, tudo leve. Tudo jaz. Tudo mais. Chorar de amor para mim é quase morrer. Saio para nunca mais voltar: em ti! Em mim. Eu sou um sonhador. Sonho a dor. E você?

Como num trapézio sem rede, eu me lanço sobre o mundo, ao rumo de seus olhos castanhos. Fecho os olhos e te vejo nítida. Anseio o dia que, com o refúgio dos meus sentidos, acorde sobre seus cálculos viciados sempre com a mesma solução ilógica. Desculpa se fiz das últimas noites fogo a consumir-me por inteiro, no ápice do inverno em agosto. Ainda guardo na memória o gosto doce dos seus abraços.

Meu rosto pregado antes que eu me esqueça de tudo que eu deveria esquecer. Vaga idéia sobre os passos maquinais. Dos dias todos iguais. A hora que não passa, a saudade que não cessa, a dor que consome aos poucos. No pátio interno de meu ser, peço e imploro para que fale comigo. Eu quero que você me aqueça neste inverno, neste inferno que engole com chamas os restos de que sobraram de mim e ficaram expostos em caos.

Eu tenho os dias contados, então mantenha distância de meu coração. Com os pés sujos de lama e a roupas rasgadas somos mais sinceros. Todos iguais dentro de suas diferenças herméticas. As pessoas são os lindos problemas que enfrentamos diariamente. Em frente, adiante, enquanto os outros se arrastam eu prefiro sumir. Olho meu rosto cansado no espelho e depois vou dormir entre as cores escondidas de suas retinas. Por de trás do rosto esconde uma contradição de sentimentos irreais e imaginários. Do outro lado há você.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

selvageria de estranhos íntimos

"Eu permito. Sem considerar nenhum outro desejo que não o de agora. Sem considerar nenhum passado entre nós ou qualquer possibilidade de futuro. Permito. Entrego confiando nos teus olhos todos os passos que nos permitimos até aqui. Onde zeramos nosso antes e interrogamos o nosso depois. Aqui eu tiro a roupa dos dias e exijo a tua nudez de homem e o vermelho da tua boca, a maciez da tua pele, os pêlos na desordem do corpo, os traços e volumes e os músculos e nós. Nós, a soma do eu e do tu. O plural, transbordando o copo, o olhar duplicado, as diferenças, a vida comum refletida pelo espelho dos olhos do outro, o elo de qual ligação nos deu o laço de qual sapato, de qual coração vagabundo leviano estamos falando? Eu permito. Sabendo de tudo o que eu sei até aqui e ignorando essa trajetória para começar um novo começo. Porque é preciso desaprender de quando em quando, zerar para uma nova temporada, limpar a pista para um novo desfile, cada pessoa é um novo começo. Não pense que não. Tenho a soma dos teus olhos nos meus, a soma da tua barba na minha e todo o embolar de cabelos e sons, desde quando o sexo é tão bom e confortável e dura tanto e não deve ter fim e fodam-se as convenções e os papais-mamães e todas as transas sem amor porque para compreender o que é invadir o corpo do outro é preciso amar e desejar tão intensamente sem ter que pedir licença para entrar, sem se sentir constrangido para explodir séculos e vidas dentro do universo e da intimidade e da história do outro. Entre. Eu permito. Eu desejo. Eu exijo a tua brutalidade sem que queiras me impressionar, apenas satisfazer nossos silêncios. De olhos nos olhos e corpos nos corpos, deslizar de abismos, selvageria de estranhos íntimos."
(Egídio La Pasta Jr.)s

Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso..

Berna, 02 de janeiro de 1947.

Querida,
Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Nem sei como lhe explicar minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perder o respeito a si mesma e o respeito às suas próprias necessidades - depois disso fica-se um pouco um trapo.
Eu queria tanto, tanto estar junto de você e conversar e contar experiências minhas e de outras pessoas. Você veria que há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Eu mesma não queria contar a você como estou agora, porque achei inútil. Pretendia apenas lhe contar o meu novo caráter, ou a falta de caráter, um mês antes de irmos ao Brasil, para você estar prevenida. Mas espero de tal forma que no navio ou avião que nos leva de volta, eu me transforme instantaneamente na antiga que eu era, que talvez nem fosse necessário contar. Querida, quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo o interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma num boi? Assim fiquei eu... em que pese a comparação... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Espero que você nunca me veja assim resignada, porque é quase repugnante. Espero que no navio que me leve de volta, só a idéia de ver você e de retomar um pouco a minha vida - que não era maravilhosa mas era uma vida - eu me transforme inteiramente.
Uma amiga, um dia, encheu-me de coragem, como ela disse, e me perguntou: "Você era muito diferente, não era?". Ela disse que me achava ardente e vibrante, e que quando me encontrou agora se disse: ou essa calma excessiva é uma atitude ou então ela mudou tanto que parece quase irreconhecível. Uma outra pessoa disse que eu me movo com lassidão de mulher de cinquenta anos. Tudo isso você não vai nem sentir, queira Deus. Não haveria necessidade de lhe dizer, então. Mas não pude deixar de querer lhe mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que faz um pacto com todos, e que se esqueceu de que o nó vital de uma pessoa deve ser respeitado. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você - pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - esse é o único meio de viver.
Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia - será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Espero em Deus que você acredite em mim. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Isso seria uma lição para mim. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade de alma.

Tua
Clarice

ai daqueles..

ai daqueles
que se amaram sem nenhuma briga
aqueles que deixaram
que a mágoa nova
virasse a chaga antiga
ai daqueles que se amaram
sem saber que amar é pão feito em casa
e que a pedra só não voa
porque não quer
não porque não tem asa
(Paulo Leminski)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

o caminho é in e não off

"Invento estorinhas para mim mesmo, o tempo todo, me conformo, me dou força."
(Caio F. Abreu)

medida exata da sutileza

"É quase inacreditável ver como você consegue ser emocional sem ser babaca, política sem ser panfletária, sensual sem ser grossa, culta sem ser pedante, elegante sem ser fresca. Como você consegue a medida exata da sutileza."
(Caio F. Abreu)

rosas e abismos

"Tinha desejos violentos, pequenas gulas, urgências perigosas, enternecimentos melados, ódios virulentos, tesões insaciáveis. Ouvia canções lamentosas, bebia para despertar fantasmas distraídos, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos. Exausto então, afogava-se num sono por vezes sem sonhos."
(Caio F. Abreu)

porque não estou fluindo..

"...Tudo isso dói. Mas eu sei que passa, que se está sendo assim é porque deve ser assim, e virá outro ciclo, depois. Para me dar força, escrevi no espelho do meu quarto: ¨Tá certo que o sonho acabou, mas também não precisa virar pesadelo, não é?¨. É o que estou tentando vivenciar.
Certo, muitas ilusões dançaram - mas eu me recuso a descrer absolutamente de tudo, eu faço força para manter algumas esperanças acesas, como velas. Também não quero dramatizar e fazer dos problemas reais monstros insolúveis, becos-sem-saída. Nada é muito terrível. Só viver, não é?
A barra mesmo é ter que estar vivo e ter que desdobrar, batalhar um jeito qualquer de ficar numa boa. O meu tem sido olhar pra dentro, devagar, ter muito cuidado com cada palavra, com cada movimento, com cada coisa que me ligue ao de fora. Até que os dois ritmos naturalmente se encaixem outra vez e passem a fluir. Porque não estou fluindo."
(Caio F. Abreu)

terça-feira, 24 de março de 2009

Os dragões não conhecem o paraíso

Tenho um dragão que mora comigo.

Não, isso não é verdade.

Não tenho nenhum dragão. E, ainda que tivesse, ele não moraria comigo nem com ninguém. Para os dragões, nada mais inconcebível que dividir seu espaço - seja com outro dragão, seja com uma pessoa banal feito eu. Ou invulgar, como imagino que os outros devam ser. Eles são solitários, os dragões. Quase tão solitários quanto eu me encontrei, sozinho neste apartamento, depois de sua partida. Digo quase porque, durante aquele tempo em que ele esteve comigo, alimentei a ilusão de que meu isolamento para sempre tinha acabado. E digo ilusão porque, outro dia, numa dessas manhãs áridas da ausência dele, felizmente cada vez menos freqüentes (a aridez, não a ausência), pensei assim: Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma que precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo.

Isso me pareceu gradiloqüente e sábio como uma idéia que não fosse minha, tão estúpidos costumam ser meus pensamentos. E tomei nota rapidamente no guardanapo do bar onde estava. Escrevi também mais alguma coisa que ficou manchada pelo café. Até hoje não consigo decifrá-la. Ou tenho medo da minha - felizmente indecifrável - lucidez daquele dia.

Estou me confundindo, estou me dispersando.

O guardanapo, a frase, a mancha, o medo - isso deve vir mais tarde. Todas essas coisas de que falo agora - as particularidades dos dragões, a banalidade das pessoas como eu -, só descobri depois. Aos poucos, na ausência dele, enquanto tentava compreendê-lo. Cada vez menos para que minha compreensão fosse sedutora, e cada vez mais para que essa compreensão ajudasse a mim mesmo a. Não sei dizer. Quando penso desse jeito, enumero proposições como: a ser uma pessoa menos banal, a ser mais forte, mais seguro, mais sereno, mais feliz, a navegar com um mínimo de dor. Essas coisas todas que decidimos fazer ou nos tornar quando algo que supúnhamos grande acaba, e não há nada a ser feito a não ser continuar vivendo.

Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante.
Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se não fosse nada.

Ninguém perguntará coisa alguma, penso. Depois continuo a contar para mim mesmo, como se fosse ao mesmo tempo o velho que conta e a criança que escuta, sentado no colo de mim. Foi essa a imagem que me veio hoje pela manhã quando, ao abrir a janela, decidi que não suportaria passar mais um dia sem contar esta história de dragões. Consegui evitá-la até o meio da tarde. Dói, um pouco. Não mais uma ferida recente, apenas um pequeno espinho de rosa, coisa assim, que você tenta arrancar da palma da mão com a ponta de uma agulha. Mas, se você não consegue extirpá-lo, o pequeno espinho pode deixar de ser uma pequena dor para se transformar numa grande chaga.

Assim, agora, estou aqui. Ponta fina de agulha equilibrada entre os dedos da mão direita, pairando sobre a palma aberta da mão esquerda. Algumas anotações em volta, tomadas há muito tempo, o guardanapo de papel do bar, com aquelas palavras sábias que não parecem minhas e aquelas outras, manchadas, que não consigo ou não quero ou finjo não poder decifrar.

Ainda não comecei.

Queria tanto saber dizer Era uma vez. Ainda não consigo.

Mas preciso começar de alguma forma. E esta, enfim, sem começar propriamente, assim confuso, disperso, monocórdio, me parece um jeito tão bom ou mau quanto qualquer outro de começar uma história. Principalmente se for uma história de dragões.

Gosto de dizer tenho um dragão que mora comigo, embora não seja verdade. Como eu dizia, um dragão jamais pertence a, nem mora com alguém. Seja uma pessoa banal igual a mim, seja unicórnio, salamandra, harpia, elfo, hamadríade, sereia ou ogro. Duvido que um dragão conviva melhor com esses seres mitológicos, mais semelhantes à natureza dele, do que com um ser humano. Não que sejam insociáveis. Pelo contrário, às vezes um dragão sabe ser gentil e submisso como uma gueixa. Apenas, eles não dividem seus hábitos.

Ninguém é capaz de compreender um dragão. Eles jamais revelam o que sentem. Quem poderia compreender, por exemplo, que logo ao despertar (e isso pode acontecer em qualquer horário, às três ou às onze da noite, já que o dia e a noite deles acontecem para dentro, mas é mais previsível entre sete e nove da manhã, pois essa é a hora dos dragões) sempre batem a cauda três vezes, como se tivessem furiosos, soltando fogo pelas ventas e carbonizando qualquer coisa próxima num raio de mais de cinco metros? Hoje, pondero: talvez seja essa a sua maneira desajeitada de dizer, como costumo dizer agora, ao despertar - que seja doce.

Mas no tempo em que vivia comigo, eu tentava - digamos - adaptá-lo às circunstâncias. Dizia por favor, tente compreender, querido, os vizinho banais do andar de baixo já reclamaram da sua cauda batendo no chão ontem às quatro da madrugada. O bebê acordou, disseram, não deixou ninguém mais dormir. Além disso, quando você desperta na sala, as plantas ficam todas queimadas pelo seu fogo. E, quanto você desperta no quarto, aquela pilha de livros vira cinzas na minha cabeceira.

Ele não prometia corrigir-se. E eu sei muito bem como tudo isso parece ridículo. Um dragão nunca acha que está errado. Na verdade, jamais está. Tudo que faz, e que pode parecer perigoso, excêntrico ou no mínimo mal-educado para um humano igual a mim, é apenas parte dessa estranha natureza dos dragões. Na manhã, na tarde ou na noite seguintes, quanto ele despertasse outra vez, novamente os vizinhos reclamariam e as prímulas amarelas e as begônias roxas e verdes, e Kafka, Salinger, Pessoa, Clarice e Borges a cada dia ficariam mais esturricados. Até que, naquele apartamento, restássemos eu e ele entre as cinzas. Cinzas são como sedas para um dragão, nunca para um humano, porque a nós lembra destruição e morte, não prazer. Eles trafegam impunes, deliciados, no limiar entre essa zona oculta e a mais mundana. O que não podemos compreender, ou pelo menos aceitar.

Além de tudo: eu não o via. Os dragões são invisíveis, você sabe. Sabe? Eu não sabia. Isso é tão lento, tão delicado de contar - você ainda tem paciência? Certo, muito lógico você querer saber como, afinal, eu tinha tanta certeza da existência dele, se afirmo que não o via. Caso você dissesse isso, ele riria. Se, como os homens e as hienas, os dragões tivessem o dom ambíguo do riso. Você o acharia talvez irônico, mas ele estaria impassível quanto perguntasse assim: mas então você só acredita naquilo que vê? Se você dissesse sim, ele falaria em unicórnios, salamandras, harpias, hamadríades, sereias e ogros. Talvez em fadas também, orixás quem sabe? Ou átomos, buracos negros, anãs brancas, quasars e protozoários. E diria, com aquele ar levemente pedante: "Quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno. Os dragões não cabem nesses pequenos mundos de paredes invioláveis para o que não é visível".

Ele gostava tanto dessas palavras que começam com in - invisível, inviolável, incompreensível -, que querem dizer o contrário do que deveriam. Ele próprio era inteiro o oposto do que deveria ser. A tal ponto que, quando o percebia intratável, para usar uma palavra que ele gostaria, suspeitava-o ao contrário: molhado de carinho. Pensava às vezes em tratá-lo dessa forma, pelo avesso, para que fôssemos mais felizes juntos. Nunca me atrevi. E, agora que se foi, é tarde demais para tentar requintadas harmonias.

Ele cheirava a hortelã e alecrim. Eu acreditava na sua existência por esse cheiro verde de ervas esmagadas dentro das duas palmas das mãos. Havia outros sinais, outros augúrios. Mas quero me deter um pouco nestes, nos cheiros, antes de continuar. Não acredite se alguém, mesmo alguém que não tenha um mundo pequeno, disser que os dragões cheiram a cavalos depois de uma corrida, ou a cachorros das ruas depois da chuva. A quartos fechados, mofo, frutas podres, peixe morto e maresia - nunca foi esse o cheiro dos dragões.

A hortelã e alecrim, eles cheiram. Quando chegava, o apartamento inteiro ficava impregnado desse perfume. Até os vizinhos, aqueles do andar de baixo, perguntavam se eu andava usando incenso ou defumação. Bem, a mulher perguntava. Ela tinha uns olhos azuis inocentes. O marido não dizia nada, sequer me cumprimentava. Acho que pensava que era uma dessas ervas de índio que as pessoas costumam fumar quando moram em apartamentos, ouvindo música muito alto. A mulher dizia que o bebê dormia melhor quando esse cheiro começava a descer pelas escadas, mais forte de tardezinha, e que o bebê sorria, parecendo sonhar. Sem dizer nada, eu sabia que o bebê sonhava com dragões, unicórnios ou salamandras, esse era um jeito do seu mundo ir-se tornando aos poucos mais largo. Mas os bebês costumam esquecer dessas coisas quanto deixam de ser bebês, embora possuam a estranha facilidade de ver dragões - coisa que só os mundos muito largos conseguem.

Eu aprendi o jeito de perceber quando o dragão estava a meu lado. Certa vez, descemos juntos pelo elevador com aquela mulher de olhos-azuis-inocentes e seu bebê, que também tinha olhos-azuis-inocentes. O bebê olhou o tempo todo para onde estava o dragão. Os dragões param sempre do lado esquerdo das pessoas, para conversar direto com o coração. O ar a meu lado ficou leve, de uma coloração vagamente púrpura. Sinal que ele estava feliz. Ele, o dragão, e também o bebê, e eu, e a mulher, e a japonesa que subiu no sexto andar, e um rapaz de barba no terceiro. Sorríamos suaves, meio tolos, descendo juntos pelo elevador numa tarde que lembro de abril - esse é o mês dos dragões - dentro daquele clima de eternidade fluida que apenas os dragões, mas só às vezes, sabem transmitir.

Por situações como essa, eu o amava. E o amo ainda, quem sabe mesmo agora, quem sabe mesmo sem saber direito o significado exato dessa palavra seca - amor. Se não o tempo todo, pelo menos quanto lembro de momentos assim. Infelizmente, raros. A aspereza e avesso parecem ser mais constantes na natureza dos dragões do que a leveza e o direito. Mas queria falar de antes do cheiro. Havia outros sinais, já disse. Vagos, todos eles.

Nos dias que antecediam a sua chegada, eu acordava no meio da noite, o coração disparado. As palmas das mãos suavam frio. Sem saber porque, nas manhãs seguintes, compulsivamente eu começava a comprar flores, limpar a casa, ir ao supermercado e à feira para encher o apartamento de rosas e palmas e morangos daqueles bem gordos e cachos de uvas reluzentes e berinjelas luzidias (os dragões, descobri depois, adoram contemplar berinjelas) que eu mesmo não conseguia comer. Arrumava em pratos, pelos cantos, com flores e velas e fitas, para que os espaços ficassem mais bonito.

Como uma fome, me dava. Mas uma fome de ver, não de comer. Sentava na sala toda arrumada, tapete escovado, cortinas lavadas, cestas de frutas, vasos de flores - acendia um cigarro e ficava mastigando com os olhos a beleza das coisas limpas, ordenadas, sem conseguir comer nada com a boca, faminto de ver. À medida que a casa ficava mais bonita, eu me tornava cada vez mais feio, mais magro, olheiras fundas, faces encovadas. Porque não conseguia dormir nem comer, à espera dele. Agora, agora vou ser feliz, pensava o tempo todo numa certeza histérica. Até que aquele cheiro de alecrim, de hortelã, começasse a ficar mais forte, para então, um dia, escorregar que nem brisa por baixo da porta e se instalar devagarzinho no corredor de entrada, no sofá da sala, no banheiro, na minha cama. Ele tinha chegado.

Esses ritmos, só descobri aos poucos. Mesmo o cheiro de hortelã e alecrim, descobri que era exatamente esse quando encontrei certas ervas numa barraca de feira. Meu coração disparou, imaginei que ele estivesse por perto. Fui seguindo o cheiro, até me curvar sobre o tabuleiro para perceber: eram dois maços verdes, a hortelã de folhinhas miúdas, o alecrim de hastes compridas com folhas que pareciam espinhos, mas não feriam. Pergunte o nome, o homem disse, eu não esqueci. Por pura vertigem, nos dias seguintes repetia quanto sentia saudade: alecrim hortelã alecrim hortelã alecrim hortelã alecrim.

Antes, antes ainda, o pressentimento de sua visita trazia unicamente ansiedade, taquicardias, aflição, unhas roídas. Não era bom. Eu não conseguia trabalhar, ira ao cinema, ler ou afundar em qualquer outra dessas ocupações banais que as pessoas como eu têm quando vivem. Só conseguia pensar em coisas bonitas para a casa, e em ficar bonito eu mesmo para encontrá-lo. A ansiedade era tanta que eu enfeiava, à medida que os dias passavam. E, quando ele enfim chegava, eu nunca tinha estado tão feio. Os dragões não perdoam a feiúra. Menos ainda a daqueles que honram com sua rara visita.

Depois que ele vinha, o bonito da casa contrastando com o feio do meu corpo, tudo aos poucos começava a desabar. Feito dor, não alegria. Agora agora agora vou ser feliz, eu repetia: agora agora agora. E forçava os olhos pelos cantos de prata esverdeadas, luz fugidia, a ponta em seta de sua cauda pela fresta de alguma porta ou fumaça de suas narinas, sempre mau, e a fumaça, negra. Naqueles dias, enlouquecia cada vez mais, querendo agora já urgente ser feliz. Percebendo minha ânsia, ele tornava-se cada vez mais remoto. Ausentava-se, retirava-se, fingia partir. Rarefazia seu cheiro de ervas até que não passasse de uma suspeita verde no ar. Eu respirava mais fundo, perdia o fôlego no esforço de percebê-lo, dias após dia, enquanto flores e frutas apodreciam nos vasos, nos cestos, nos cantos. Aquelas mosquinhas negras miúdas esvoaçavam em volta delas, agourentas.

Tudo apodrecia mais e mais, sem que eu percebesse, doído do impossível que era tê-lo. Atento somente à minha dor, que apodrecia também, cheirava mal. Então algum dos vizinhos batia à porta para saber se eu tinha morrido e sim, eu queria dizer, estou apodrecendo lentamente, cheirando mal como as pessoas banais ou não cheiram quando morrem, à espera de uma felicidade que não chega nunca. Ele não compreenderia. Eu não compreendia, naqueles dias - você compreende?

Os dragões, já disse, não suportam a feiúra. Ele partia quando aquele cheiro de frutas e flores e, pior que tudo, de emoções apodrecidas tornava-se insuportável. Igual e confundido ao cheiro da minha felicidade que, desta e mais uma vez, ele não trouxera. Dormindo ou acordado, eu recebia sua partida como um súbito soco no peito. Então olhava para cima, para os lados, à procura de Deus ou qualquer coisa assim - hamadríades, arcanjos, nuvens radioativas, demônios que fossem. Nunca os via. Nunca via nada além das paredes de repente tão vazias sem ele.

Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. Dunas, geleiras, estepes. Nunca mais reflexos esverdeados pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, nunca mais fumaças coloridas ou formas como serpentes espreitando pelas frestas de portas entreabertas. Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa. A não ser o belo, que é de ver, não de mastigar, e por isso mesmo também uma forma de desconforto. No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pântano de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora. Quando tudo, sem ele, é nada.

Hoje, acho que sei. Um dragão vem e parte para que seu mundo cresça? Pergunto - porque não estou certo - coisas talvez um tanto primárias, como: um dragão vem e parte para que você aprenda a dor de não tê-lo, depois de ter alimentado a ilusão de possuí-lo? E para, quem sabe, que os humanos aprendam a forma de retê-lo, se ele um dia voltar?

Não, não é assim. Isso não é verdade.

Os dragões não permanecem. Os dragões são apenas a anunciação de si próprios. Eles se ensaiam eternamente, jamais estréiam. As cortinas não chegam a se abrir para que entrem em cena. Eles se esboçam e se esfumam no ar, não se definem. O aplauso seria insuportável para eles: a confirmação de que sua inadequação é compreendida e aceita e admirada, e portanto - pelo avesso igual ao direito - incompreendida, rejeitada, desprezada. Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos - como eu inventava uma beleza de artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim. Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia.

Quando volto apensar nele, nestas noites em que dei para me debruçar à janela procurando luzes móveis pelo céu, gosto de imaginá-lo voando com suas grandes asas douradas, solto no espaço, em direção a todos os lugares que é lugar nenhum. Essa é sua natureza mais sutil, avessa às prisões paradisíacas que idiotamente eu preparava com armadilhas de flores e frutas e fitas, quando ele vinha. Paraísos artificiais que apodreciam aos poucos, paraíso de eu mesmo - tão banal e sedento - a tolerar todas as suas extravagâncias, o que devia lhe soar ridículo, patético e mesquinho. Agora apenas deslizo, sem excessivas aflições de ser feliz.

As manhãs são boas para acordar dentro delas, beber café, espiar o tempo. Os objetos são bons de olhar para eles, sem muitos sustos, porque são o que são e também nos olham, com olhos que nada pensam. Desde que o mandei embora, para que eu pudesse enfim aprender a grande desilusão do paraíso, é assim que sinto: quase sem sentir.

Resta esta história que conto, você ainda está me ouvindo? Anotações soltas sobre a mesa, cinzeiros cheios, copos vazios e este guardanapo de papel onde anotei frases aparentemente sábias sobre o amor e Deus, com uma frase que tenho medo de decifrar e talvez, afinal, diga apenas qualquer coisa simples feito: nada disso existe.

Nada, nada disso existe.

Então quase vomito e choro e sangro quando penso assim. Mas respiro fundo, esfrego as palmas das mãos, gero energia em mim. Para manter-me vivo, saio à procura de ilusões como o cheiro das ervas ou reflexos esverdeados de escamas pelo apartamento e, ao encontrá-los, mesmo apenas na mente, tornar-me então outra vez capaz de afirmar, como num vício inofensivo: tenho um dragão que mora comigo. E, desse jeito, começar uma nova história que, desta vez sim, seria totalmente verdadeira, mesmo sendo completamente mentira. Fico cansado do amor que sinto, e num enorme esforço que aos poucos se transforma numa espécie de modesta alegria, tarde da noite, sozinho neste apartamento no meio de uma cidade escassa de dragões, repito e repito este meu confuso aprendizado para a criança-eu-mesmo sentada aflita e com frio nos joelhos do sereno velho-eu-mesmo:

- Dorme, só existe o sonho. Dorme, meu filho. Que seja doce.

Não, isso também não é verdade.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Fernando Pessoa - Livro do Desassossego

"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados."

quinta-feira, 12 de março de 2009

Trechos - Caio nosso de cada dia

"Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito. É muito difícil ficar adulto."


"Chega em mim sem medo, toca no meu ombro, olha nos meus olhos, como nas canções do rádio. Depois me diz: — “Vamos embora para um lugar limpo. Deixe tudo como está. Feche as portas, não pague as contas nem conte a ninguém. Nada mais importa. Agora você me tem, agora eu tenho você. Nada mais importa. O resto? Ah, o resto são os restos. E não importam."

“São tudo histórias, menino. A história que está sendo contada, cada um a transforma em outra, na história que quiser. Escolha, entre todas elas, aquela que seu coração mais gostar, e persiga-a até o fim do mundo. Mesmo que ninguém compreenda, como se fosse um combate. Um bom combate, o melhor de todos, o único que vale a pena. O resto é engano, meu filho, é perdição”.

"Quando você sente saudade demais de uma pessoa, então começa a vê-la nas outras, em todos os lugares, de costas, por um jeito de andar, de sorrir ou virar a cabeça de lado".


“Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia.”

"Não poderias saber nada de mais absoluto sobre ela, a não ser ela própria. Que a maneira mais absoluta de aceitar alguém ou alguma coisa seria justamente não falar, não perguntar - mas ver. Em silêncio."

"Ter provado outra vez desta solidão acho que me fez melhor. Ou mais humano, ou dolorido. Quem sabe? "

"Mas gosto de perceber que as dores são cada vez mais rapidamente superadas."

"(...) fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas (...)"

“Não, ela não era tola. Mas como quem não desiste de anjos, fadas, cegonhas com bebês, ilhas gregas e happy ends cinderelescos, ela queria acreditar.”

'Ela era mais que linda. Era viva, sarcástica, tensa, confusa. Meio desmedida. E rainha.'

"Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor. Talvez eu esteja fantasiando, sei lá. Mas a impressão foi fortíssima, nunca ninguém tinha me perturbado tanto."

"Você sabe tão bem quanto eu, talvez até melhor, a que ponto de desgaste nosso relacionamento chegou. Devia falar desse jeito mesmo com os alunos, impossível que você não perceba como é doloroso para mim mesmo encarar esse rompimento. Afinal, a afeição que nutro por você é um fato".

"(...)Mas sabes principalmente, com uma certa misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia, quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa.Só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva. Como um trapezista que só repara na ausência da rede após o salto lançado, acendes o abajur do canto da sala depois de apagar a luz mais forte. E começas a falar."

"Quem é você? Quem sou eu? Sei apenas que navegamos no mesmo barco furado, e nosso porto é desconhecido. Você tem seus jeitos de tentar. Eu tenho os meus. Não acredito nos seus, talvez também não acredite nos meus próprios. Não lhe peço que acredite em mim."

"Boas e bobas, são as coisas todas que penso quando penso em você. Assim: de repente ao dobrar uma esquina dou de cara com você que me prega um susto de mentirinha como aqueles que as crianças pregam umas nas outras. Finjo que me assusto, você me abraça e vamos tomar um sorvete, suco de abacaxi com hortelã ou comer salada de fruta em qualquer lugar. Assim: estou pensando em você e o telefone toca e corta o meu pensamento e o do outro lado do fio você me diz: estou pensando tanto em você".

"Porque você não pode voltar atrás no que vê. Você pode se recusar a ver, o tempo que quiser: até o fim de sua maldita vida, você pode recusar, sem necessidade de rever seus mitos ou movimentar-se de seu lugarzinho confortável. Mas a partir do momento em que você vê, mesmo involuntariamente, você está perdido: as coisas não voltarão a ser mais as mesmas e você próprio já não será o mesmo".

"Não muito longe de onde eu estava, provavelmente naquele mesmo lugar para onde eu ia indo, acompanhada apenas por um piano, a mulher cantava uma velha canção de Vinicius, e por falar em saudade, onde anda você, uma coisa mais ou menos assim, eu não sabia a letra direito, uma canção de ausência, saudade e perda, isso eu sabia, e levantei a cabeça para ouvir melhor, tentando prender os farrapos de versos que se perdiam no ar, levados pelo vento morno, onde andam seus olhos que a gente nem vê, eu fui acompanhando sem cantar, eu não sabia, os trechos que ainda lembrava, era tão antiga, pendurei a mochila no ombro, comecei a andar mais depressa para encontrar aquela voz, e por falar em você, razão de viver, você bem que podia me aparecer, e eu sempre tivera certeza que, desde o início, embora tudo pudesse continuar a ser somente loucura, vontade de voar, eu nada tinha a perder perseguindo uma canção, razão de viver."

quarta-feira, 4 de março de 2009

Caio Fernando Abreu


"... isso que chamamos de amor, esse lugar confuso entre o sexo e a organização familiar..."

Sérgio, não sabia como começar - então comecei copiando essa frase aí de cima, é Caetano Veloso numa entrevista ao JB, vim lendo pelo caminho, não consegui me livrar dela.

Agora estou aqui, escrevendo para você no meu quarto antigo, que minha mãe conserva tal-e-qual, como se eu um dia fosse voltar para casa. E lá se vão - quantos mesmo? - sei lá, quinze vinte anos, qualquer coisa assim.

Chove. Faz frio. É bom estar aqui. Tão bom. Me sinto protegido. Ficamos vendo velhas fotografias, bebendo vinho e rindo muito. Meu irmão Felipe vestiu um modelinho de couro negro e saiu "para dar uma prensa numa caixa de supermercado". Márcia está tão bonita. E Rodrigo, meu sobrinho, que tem dois anos e não parece quase me desconhecer. Deixei-os vendo um filme antigo dos Beatles, Lennon repetindo "don´t let me down" - e agora percebo que meu inglês anda tão precário que não lembro se é d´ont ou don´t.

Cansado, cansado. Quase não dormi. E não consigo tirar você da cabeça. Estou te escrevendo porque não consigo tirar você da cabeça. Hesito em dizer qualquer coisa tipo me-perdoe ou qualquer coisa assim. Mas quero te contar umas coisas. Mesmo que a gente não se veja mais. Penso em você, penso em você com força e carinho. Axé.

Foi mau, ontem. Fui mau, também. Menos com você, mais comigo mesmo. Depois não consegui dormir. Me bati pela casa até quase oito da manhã. Teria telefonado para você, não fosse tão inconveniente. Acabei ligando para Grace, pedi paciência, chorei, contei, ouvi.

Não era nada com você. Ou quase nada. Estou tão desintegrado. Atravessei o resto da noite encarando minha desintegração. Joguei sobre você tantos medos, tanta coisa travada, tanto medo de rejeição, tanta dor. Difícil explicar. Muitas coisas duras por dentro. Farpas. Uma pressa, uma urgência.E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça. Com requintes, com sofreguidão, com textos que me vêm prontos e faces que se sobrepõem às outras. Para que não me firam, minto. E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também. Não queria fazer mal a você. Não queria que você chorasse. Não queria cobrar absolutamente nada. Por que o Zen de repente escapa e se transforma em Sem? Sem que se consiga controlar.

Te escrevo com um cigarro aceso e uma xícara de chá de boldo. A escrivaninha é muito antiga, daquelas que têm uma tampa, parece piano. Tem um pôster com Garcia Lorca na minha frente. Um retrato enorme de Virginia Woolf. E posso ver na estante assim, de repente, todo o Proust, e muito Rimbaud, e Verlaine, Faulkner, Ítalo Svevo, William Blake. Umas reproduções de Picasso. Outras de Da Vinci. Um biscuit com um pierrô tão patético. Uma pedra esotérica ainda de Stonehenge, Inglaterra, uma caixinha indiana. Todos os meus pedaços aqui.E você não me conhece, eu não conheço você.

Te escrevo por absoluta necessidade. Não conseguiria dormir outra vez se não te escrevesse.Zelda, há também o único romance escrito por Zelda Fitzgerald, a mulher de Scott Fitzgerald, que morreu louca, um incêndio, um hospício. Chama-se "Save me the waltz". "Reserve-me a valsa", não é lindo? Lembra o Brahma, se se dançasse no Brahma.

Please, save me the waltz.

Fiz fantasias. No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio. Até o último momento esperei que você me chamasse pelo telefone. Que você fosse ao aeroporto. Casablanca, última cena. Todas as cartas de amor são ridículas. Esse lugar confuso de que fala Caetano. E eu estava só começando a entrar num estado de amor por você. Mas não me permiti, não te permiti, não nos permiti. Pedro Paulo me dizendo no ouvido "nunca vi essa luz nos seus olhos".

Eu não queria saber.Tão artificial, tão estudado. Detesto ouvir minha voz no gravador ou ver minha imagem em vídeo. Sôo falso para mim mesmo. A calma, o equilíbrio, as palavras ditas lentamente, como se escolhesse. Raramente um gesto, um tom mais espontâneo. Tão bom ator que ninguém percebe minha péssima atuação.

Você compreende tudo isso?

Pausa. Campainha. O jornal de domingo. Desço, outro chá de boldo. Um comentário de Rubens Ewald sobre Aqueles dois, diz que é excelente, fala da "dignidade e tratamento delicado dado ao tema". Lembro da crítica de Sérgio Augusto, de como fez mal por dentro. Já passou.

Quando pergunto você-compreende-tudo-isso não estou subestimando você. Ah, deus, perdoe. Não sinto agressividade nenhuma em relação a você. E gosto das tuas histórias. E gosto da tua pessoa. Dá um certo trabalho decodificar todas as emoções contraditórias, confusas, soma-las, diminui-las e tirar essa síntese numa palavra só, esta: gosto.

Dormi umas três horas e acordei ouvindo Quereres, de Caetano. Repeti, várias vezes, cada vez mais alto. Ah, bruta flor do querer. Discutia tanto com Ana Cristina César, antes que ela acolhesse a morte (acertadamente? Me pergunto até hoje, nunca sei responder): nossa necessidade fresca & neurótica de elaborar sofrimentos e rejeições e amarguras e pequenos melodramas cotidianos para depois sentar Atormentado & Solitário para escrever Belos Textos Literários.

O escritor é uma das criaturas mais neuróticas que existem: ele não sabe viver ao vivo, ele vive através de reflexos, espelhos, imagens, palavras. O não-real, o não-palpável. Você me dizia "que diferença entre você e um livro seu". Eu não sou o que escrevo ou sim, mas de muitos jeitos. Alguns estranhos.

Não há nenhum subtexto nisto que te escrevo. Não acho bonito que a gente se disperse assim, só isso. Encontre, desencontre e nada mais, nunca mais, é urbano demais - e eu nasci praticamente no campo, até os 15 anos quase no campo, céu e campo. Não sei se a gente pode continuar amigo. Não sei se em algum momento cheguei a ver você completamente como Outra pessoa, ou, o tempo todo, como Uma Possibilidade de Resolver Minha Carência. Estou tentando ser honesto e limpo. Uma possibilidade que eu precisava devorar ou destruir. Porque até hoje não consegui conquistar essa disciplina, essa macrobiótica dos sentimentos, essa fugalidade das emoções.

Fico tomado de paixão. Há tempos não ficava.

E toda essa peste, meu amigo. O que tem me mantido vivo hoje é a ilusão ou a esperança dessa coisa, "esse lugar confuso", o Amor um dia. E de repente te proíbem isso. Eu tenho me sentido muito mal vendo minha capacidade de amar sendo destroçada, proibida, impedida, aos 36 anos, tão pouco. Nem vivi nada ainda. E não sou sequer promíscuo. Dum romantismo não pós, mas pré todas as coisas - um romantismo que exige sexualidade e amor juntos. Nunca consegui. Uns vislumbres, visões do esplendor. Me pergunto se até a morte - será? Será amor essa carência e essa procura de amor, nunca encontrar a coisa?

Das minhas heterossexualidades, dois filhos mortos, não ficou nada. Das minhas homossexualidades, esse pânico lento e uma solidão medonha. A hora é tão grave.

Vim pegar energia. Sim. Preciso ver a terra, preciso do horizonte do pampa. Já começa a agir, meus ombros se soltaram. Olhei no espelho e aquela ruga entre as sombrancelhas se desfez.

Não quero me tornar uma pessoa pesada, frustrada, amarga. Não vou me tornar assim. Então vacilo, escorrego e a mania de perfeição virginiana e a estética libriana no dia seguinte me dizem "que vergonha, que vergonha, que vergonha".

Eu podia dizer que tinha/tínhamos bebido demais. Eu podia dizer que estava com tanto medo de vir para Porto Alegre. Eu podia contar a você dos meus últimos meses, oito, dez, doze horas por dia sobre a máquina de escrever, falando com quase ninguém. Sozinho, às vezes. Cantando também. Tudo isso, se eu te dissesse, talvez tivesse ajudado a doer menos em você.

De repente me passa pela cabeça que você pode estar detestando tudo isso e achando longo e choroso e confuso. Mas eu não quero ter vergonha de nada que eu seja capaz de sentir. Tento não ficar assustado com a idéia que este tempo aqui é curto, que eu vou voltar a São Paulo e que talvez não veja mais você. Sei que não fico assustado demais, e enfrento, e reconstituo os pedaços, a gente enfeita o cotidiano - tudo se ajeita. Menos a morte.

Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas... Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo.

Quando te falo da idade, quando te falo do tempo, e não tivemos tempo - queria te falar de Cronos, Saturno, da volta pelo Zodíaco quando se completa 30 anos. A tua estrela é muito clara, tem sinais bons na tua testa. Compreendo teu Plutão e a Lua encarcerados na casa XII - as emoções e paixões aprisionadas -, e também Urano, todo o impulso bloqueado. Na mesma casa, a do Karma, a dos espíritos que mais sofrem, tenho também o Sol, Mercúrio e Netuno. Somos muito parecidos, de jeitos inteiramente diferentes: somos espantosamente parecidos. E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim - para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura. Perdoe a minha precariedade e as minhas tentativas inábeis, desajeitadas, de segurar a maçã no escuro. Me queira bem.

Estou te querendo muito bem neste minuto. Tinha vontade que você estivesse aqui e eu pudesse te mostrar muitas coisas, grandes, pequenas, e sem nenhuma importância, algumas.Fique feliz, fique bem feliz, fique bem claro, queira ser feliz. Você é muito lindo e eu tento te enviar a minha melhor vibração de axé. Mesmo que a gente se perca, não importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que seja bom o que vier, para você, para mim.

Com cuidado, com carinho grande, te abraço forte e te beijo,

Caio F.

p.s.: Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis. E amanhã tem sol.