sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

a conquista da felicidade.

"Mas, aos poucos, aprendi a ser indiferente a mim e às minhas deficiências; aprendi a dirigir a atenção, cda vez mais, aos objetos externos: as condições em que se achava o mundo, os diversos ramos do conhecimento, as pessoas de que gostava. É verdade que os interesses externos sempre trazem suas própris possibilidades de dor: o mundo pode entrar em guerra, a aquisição de certos conhecimentos pode mostrar-se difícil, os amigos podem morrer. Mas as dores desse tipo ão nascem do desgosto por si mesmo. E todo interesse externo inspira alguma atividade que, enquanto este interesse se mantém vivo, é um preventivo eficaz contra o ennui (tédio).
Em contrapartida, o interesse em si próprio não conduz a nenhuma atividade de natureza progressiva. Pode nos compelir a escrever um diário, a procurar um psicanalista ou a querer ser monge. Mas um monge não será feliz enquanto a rotina do mosteiro não o fizer esquecer sua própria alma. (...) A disciplina externa é o único caminho que leva à felicidade aqueles desventurados, cuja introspecção é tão profunda que não têm nenhum outro modo de cura."

RUSSEL, Bertrand. A conquista da felicidade. p. 15.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

descansa, coração.

Descansa Coração
Nara Leão
Composição: Simons & Marques / Alberto Ribeiro

Cansei de tanto procurar
Cansei de não achar
Cansei de tanto encontrar
Cansei de me perder
Hoje eu quero somente esquecer
Quero corpo sem qualquer querer
Tenho os olhos tão cansados de te ver
Na memória, no sonho e em vão
Não sei pra onde vou, não sei
Se vou ou vou ficar
Pensei não quero mais pensar
Cansei de esperar
Agora nem sei mais o que querer
E a noite não tarda a nascer
Descansa, coração, e bate em paz.

Existe sempre uma coisa Ausente - Caio Fernando Abreu

Paris — Toda vez que chego a Paris tenho um ritual particular. Depois de dormir algumas horas, dou uma espanada no rodenirterceiromundista e vou até Notre-Dame. Acendo vela, rezo, fico olhando a catedral imensa no coração do Ocidente. Sempre penso em Joana d’Arc, heroína dos meus remotos 12 anos; no caminho de Santiago de Compostela, do qual Notre-Dame é o ponto de partida — e em minha mãe, professora de História que, entre tantas coisas mais, me ensinou essa paixão pelo mundo e pelo tempo.

Sempre acontecem coisas quando vou a Notre-Dame. Certa vez, encontrei um conhecido de Porto Alegre que não via pelo menos á2o anos. Outra, chegando de uma temporada penosa numa Londres congelada e aterrorizada por bombas do IRA, na época da Guerra do Golfo, tropecei numa greve de fome de curdos no jardim em frente. Na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços tão totais que tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para Botucatu quanto para Java, Budapeste ou Maputo — nada interessa. Viajante sofre muito: é o preço que se paga por querer ver “como um danado”,feito Pessoa. Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio.

Enrolado num capotão da Segunda Guerra, naquela tarde em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Parei numa vitrina cheia de obras do conde Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camilie Claudel a Rodín, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.

Fazia frio, garoava fino sobre o Sena, daquelas garoas tão finas que mal chegam a molhar um cigarro. Copiei a frase numa agenda. E seja lá o que possa significar “ficar bem” dentro desse desconforto inseparável da condição, naquele momento justo e breve — fiquei bem. Tomei um Calvados, entrei numa galeria para ver os desenhos de Egon Schiele enquanto a frase de Camille assentava aos poucos na cabeça. Que algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede, faz parte. E atormenta.

Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente. Três anos depois fui parar em Saint-Nazaire, cidadezinha no estuário do rio Loire, fronteira sul da Bretanha. Lá, escrevi uma novela chamada Bem longe de Marienbad , homenagem mais à canção de Barbara que ao filme de Resnais. Uma tarde saí a caminhar procurando na mente uma epígrafe para o texto. Por “acaso”, fui dar na frente de um centro cultural chamado (oh!) Camille Claudel. Lembrei da agenda antiga, fui remexer papéis. E lá estava aquela frase que eu nem lembrava mais e era, sim, a epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só daquele texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. E do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei.

Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.

O Estado de S. Paulo, 3/4/1994

entretecer.

"Um pouco mais dura e menos preocupada em entretecer ternuras."

(Caio Fernando Abreu)

na distância as coisas se perdem.

"Não adianta, no momento que as pessoas se afastam, elas estão irremediavelmente perdidas uma da outra."

(Caio Fernando Abreu)

o amor..

"O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte."

(João Cabral de Melo Neto)

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"Perdoa-me, folha seca, não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo, e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores pelas areias do chão, se havia gente dormindo sobre o própro coração E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão velando e rogando áqueles que não se levantarão...
Tu és a folha de outono voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão..."

(Cecília Meireles)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

tempestade e furacão.

'Entre um cigarro e uma fresta de desespero, eu escolho a palavra. Tenho raiva de dores que me calam fundo. Filha de Iansã dos Ventos, eu mudo a direção das chuvas se pretendo outro tempo ou momento. Meu corpo é cais e mar aberto. Meu coração é caos, céu encoberto. Minha mente, esse relâmpago de luz.A escolha é sempre extrema.Não me comovem tuas palavras tão amenas.Então que minha sede traga tempestades e que meus seios incitem teus maiores incêndios. Não gosto de superfícies ilesas, eu busco o de dentro. Posso transformar tristeza em raiva pra sentir mais força. Posso afogar minha doçura num rio de águas tão enjoativas. Mas sei reverenciar o mar que temo.
E quando eu te tiver nos braços, Obaluaiê, me escuta: você terá a realidade dos teus sonhos. Não pretenda minha fúria, queira-me mansa.Não pretenda minha mansidão, queira-me intensa. Perceba quando eu digo um sim dentro de um não.
E quando eu te tiver nos braços, Obaluaiê, me escuta: só te restará a escolha entre a tempestade e o furacão.'


(Marla de Queiroz)

mais em: http://doidademarluquices.blogspot.com/

dolorida; dor-colorida.

'Porque eu tenho pesadelos que parecem tão reais até quando você me abraça. E eu acordo triste, e brigo de verdade e passo o dia grave e dolorida como quando a gente leva um tombo no piso liso...que é só o passado. É como se eu sentisse um ciúme horroroso do meu livro predileto comprado em sebo, a dedicatória apaixonada que não é a minha, os resquícios do manuseio de outras mãos. Alguém corrompeu o trecho que eu mais gostava quando grifou à caneta algo que não pude apagar com borracha e que era tão secretamente meu. Desenhou corações onde só havia minha dor e eu discordei da interpretação alheia. E achei aquilo tudo de uma crueldade atroz. Mas permaneci com o livro no colo, cheia de um afeto confuso por ele: afeto pelo que era, angústia por já ter sido de outro alguém, e aquela sensação (imbecil) de falta de exclusividade. Eu que sempre achei que tudo é e está para o mundo.Perdoa o meu senso de autoimportância, já que não consigo perdoar o meu egoísmo.Eu sei que em alguns presentes, no embrulho, laços do passado são aproveitados. Eu só queria que eles não fossem tão vermelhos: desses que doem nos olhos e no coração.'

(Marla de Queiroz)

amo amar.

"Fico pensando se não somos tão carentes ao ponto de não viver melhor sem alguém. E há tanto medo de não ser escolhido, e de ser escolhido e ser trocado, ou ainda de não ser escolhido totalmente, ou de escolher e viver achando que essa escolha é uma prisão. Mas eu lembro de nós dois, enquanto penso nisso tudo, do nosso pacto pelo total aproveitamento diário, essa liberdade quase imposta de saber-se poder ir embora quando não for mais tão essencial. Eu lembro que se estamos juntos é porque, todos os dias, ao acordar e nos olharmos tão frágeis, tão fortes, tão vulneráveis, tão entregues, nós fazemos novamente a escolha de ontem, e cumprimos o resto do dia alimentando esse 'estarmos juntos' com intensidade e delicadeza. Eu fico pensando nos nossos ajustes e na vontade que temos de sabedoria em meio a toda essa embriaguez da paixão. E acho que se esse ainda não é o caminho certo, pelo menos, é o mais bonito por enquanto. E o que me deixa mais inteira, a cada passo. E fico pensando enquanto avanço: eu amo construir a mesma estrada com você... Eu amo morar no teu abraço."

(Marla de Queiroz)

não evito meus abismos.

"Eu nunca fui uma moça bem-comportada. Pudera, nunca tive vocação pra alegria tímida, pra paixão sem orgasmos múltiplos ou pro amor mal resolvido sem soluços. Eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo. (...) Sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que quase me deixa exausta. Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo. Eu sei chorar toda encolhida abraçando as pernas. Por isso, não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha a mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar.... Eu acredito é em suspiros, mãos massageando o peito ofegante de saudades intermináveis, em alegrias explosivas, em olhares faiscantes, em sorrisos com os olhos, em abraços que trazem pra vida da gente. Acredito em coisas sinceramente compartilhadas. Em gente que fala tocando no outro, de alguma forma, no toque mesmo, na voz, ou no conteúdo. Eu acredito em profundidades. E tenho medo de altura, mas não evito meus abismos. São eles que me dão a dimensão do que sou."

(M. de Queiroz)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

eu sou o meu oposto.

'não me prendo a nada que me defina. sou companhia, mas posso ser solidão. tranqüilidade e inconstância, pedra e coração. sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono. música alta e silêncio. serei o que você quiser, mas só quando eu quiser. não me limito, não sou cruel comigo. serei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer. suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. ou toca, ou não toca.'

(Clarice Lispector)

não espere.

'não me provoque, tenho armas escondidas. não me manipule, nasci para ser livre. não me engane, posso não resistir. não grite, tenho o péssimo hábito de revidar. não me magoe, meu coração já tem muitas mágoas. não me deixe ir, posso nunca mais voltar. não me deixe só, tenho medo da escuridão. não me tente contrariar, tenho palavras que machucam. não me decepcione, nem sempre consigo perdoar. não espere me perder para sentir minha falta.'

(Clarice Lispector )

sábado, 9 de janeiro de 2010

re-amar.

"Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou (...). Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia (...). Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena. Que por nós vale a pena. Remar. Re-amar. Amar."

(autor desconhecido) - mas, acredito, claramente inspirado em Caio F.