domingo, 11 de agosto de 2013

Teresinha e Gabriela

Gabriela menina, Gabriela levada. 
Ô, menina encapetada… 
Gabriela sapeca: 
– Menina, como é que você se chama? 
– Eu não me chamo, não, os outros é que me chamam Gabriela. 
Gabriela serelepe: 
– Menina, para onde vai essa rua? 
– A rua não vai, não, a gente é que vai nela. 
Gabriela na escola: 
– Gabriela, quem foi que descobriu o Brasil? 
– Ah, professora, isso é fácil, eu só queria saber quem foi que 
cobriu. 
Gabriela não deixava a professora em paz: 
– Professora, céu da boca tem estrelas? 
– Professora, barriga da perna tem umbigo? 
– Professora, pé de alface tem calos? 
Gabriela era quem inventava as brincadeiras: 
– Vamos brincar de amarelinha? 
Todo mundo ia. 
– Vamos brincar de pegador? 
Todos concordavam. 
Todos queriam brincar com Gabriela. 
Foi aí que mudou, para a mesma rua da Gabriela, a Teresinha. 
Teresinha loirinha, bonitinha, arrumadinha. 
Teresinha estudiosa, vestida de cor-de-rosa. 
Teresinha. 
Que belezinha… 
Os amigos vinham contar a Gabriela: 
– Teresinha tem um vestido com rendinha. 
– Teresinha tem uma caixinha de música. 
– Teresinha tem cachos no cabelo. 
Gabriela já estava enciumada: 
– Grande coisa, cachos! Bananeira também tem cachos! 
Gabriela não queria nem ver Teresinha: 
– Menina enjoada, não sabe correr, não suja o vestido, só vive 
estudando. Deus me livre! 
– Mas ela é boazinha — os meninos diziam. 
– Boazinha, nada! Ela é sonsa. 
– Mas você nunca falou com ela, Gabriela. 
– Não interessa. Não falei e não gostei, pronto! 
Mas Gabriela já estava impressionada, de tanto que falavam da Teresinha. 
E Gabriela começou a se olhar no espelho e achar o seu cabelo muito sem 
graça: 
– Mamãe, eu queria fazer cachos nos cabelos. 
– Mamãe, eu queria um vestido cor-de-rosa. 
– Mamãe, eu queria uma caixinha de música. 
E Gabriela começou a se modificar. 
Na escola, no recreio, Gabriela não pulava corda e nem brincava de 
esconde-esconde. 
Ficava sentadinha,quietinha, fazendo tricô. 
De tarde, Gabriela não ia mais brincar na rua para não sujar o vestido. 
E, à noite, muito em segredo, Gabriela enchia a cabeça de papelotes para 
encrespar os cabelos. 
Os amigos vinham chamar Gabriela: 
– Gabriela, vamos andar de bicicleta? 
– Agora eu não posso — respondia Gabriela. — Preciso ajudar a mamãe. 
A mamãe de Gabriela estranhava: 
– Que é isso, menina? Você não tem nada para fazer agora. 
E Gabriela, com ares de gente grande, respondia: 
– Eu já estou crescida para essas brincadeiras… 
E Teresinha? 
O que é que estava acontecendo com Teresinha? 
Teresinha só ouvia falar de Gabriela: 
– Gabriela é que sabe pular corda. 
– Gabriela usa rabo-de-cavalo para o cabelo não atrapalhar. 
– Gabriela só usa calças compridas. 
Teresinha respondia com pouco-caso: 
– Que menina mais sem modos! Deus me livre… 
Mas, quando as crianças saíam, Teresinha pedia: 
– Mamãe, eu quero umas calças compridas. 
E, no fundo do quintal, Teresinha treinava, pulando corda e amarelinha, 
para ir brincar na rua, como Gabriela. 
E, na primeira vez que as duas se encontraram, a turma nem queria 
acreditar. 
Gabriela, fazendo pose de moça, cabelos cacheados, sapatos de 
pulserinha, vestido todo bordado. 
Gabriela empurrando o carrinho da boneca, comportadíssima. 
Teresinha pulando sela, assoviando, levadíssima. 
As duas se olharam, no começo, desconfiadíssimas. 
Depois, começaram a rir porque estavam mesmo muito engraçadas. 
Agora, Teresinha e Gabriela são grandes amigas. 
Cada uma aprendeu muito com a outra. 
Gabriela sabe a lição de história do Brasil, embora seja ainda a campeã 
de bolinha de gude. 
E teresinha, embora seja ainda uma boa aluna na escola, já sabia andar 
de bicicleta, pular amarelinha, e até já estava aprendendo a fazer suas 
gracinhas. 
Ontem, quando a professora perguntou a Teresinha: 
– Minha filha, o que você vai ser quando crescer? 
Teresinha teve dúvidas: 
– Vou ser grande, ué!

( ROCHA,Ruth. In; Marcelo , marmelo, martelo e outras histórias ( fragmentos ) . Rio de janeiro : Salamandra . 1976)

2 comentários:

Anônimo disse...

Que bom que os posts voltaram, senti falta

Luiza Nonato disse...

não tinha visto este comentário até hoje. bom saber que tem alguém por aqui de vez em quando, deu até vontade de voltar a postar :)