quarta-feira, 19 de março de 2014

Falar de história de vida é pelo menos pressupor - e isso não é pouco - que a vida é uma história e que, como no título de Maupassant, "Uma vida", uma vida é inseparavelmente o conjunto dos acontecimentos de urna existência individual concebida como uma história e o relato dessa história. É exatamente o que diz o senso comum, isto é, a linguagem simples, que descreve a vida como um caminho, uma estrada, urna carreira, com suas encruzilhadas (Hércules entre o vicio e a virtude), seus ardis, até mesmo suas emboscadas (Jules Romains fala das "sucessivas emboscadas dos concursos e dos exames"), ou como um
encaminhamento, isto é, um caminho que percorremos e que deve ser percorrido, um trajeto, uma corrida, um cursus, uma passagem, uma viagem, um percurso orientado, um deslocamento linear, unidirecional (a
"mobilidade"), que tem um começo ("uma estréia na vida"), etapas e um fim, no duplo sentido, de término e de finalidade ("ele fará seu caminho" significa ele terá êxito, fará uma bela carreira), um fim da história. Isto
é aceitar tacitamente a filosofia da história no sentido de sucessão de acontecimentos históricos, Geschichte,que está implícita numa filosofia da história no sentido de relato histórico, Historie, em suma, numa teoria do relato, relato de historiador ou romancista, indiscerníveis sob esse aspecto, notadamente biografia ou autobiografia.

- Pierre Bordieu,

Nenhum comentário: